Esfinge

Alecssandra foi o monstro mais temido e bon vivant de todos os tempos. Impaciente, punia todo e qualquer transeunte ignorante, incapaz de responder questões elementares com sabedoria. Certa vez, a futura empedrada e, portanto, eternizada criatura, fez a seguinte pergunta a um sujeito: tudo bem? Jovem, com bigode e pele rubra, respondeu: sim. Errado. Foi, de imediato, atacado por Alecssandra. Enfurecida com a demonstração clara de burrice extrema, transformou o saudável em defunto através do famoso golpe que virou marca registrada. Como é de praxe entre esfinges, devorou a carne ainda trêmula da vítima, que, caso estivesse viva, imploraria em prantos por misericórdia. Alecssandra tá exposta. É a terceira obra à esquerda de quem caminha pela praça na direção dos carros.

Almeida

Havia, em meados do século IV, um povoado ateu em terras hoje ocupadas pela esfinge mais enigmática do Egito. Conto a história de Alecssandra depois. Pois bem, a tribo era composta por 31 pessoas, sendo 15 homens, 15 virgens e uma criança. Ao contrário do que imaginamos, a vida no quarto século depois de cristo não era fácil. Como aquele tempo não conhecia as maravilhas tecnológicas atuais, os antigos tinham que tirar leite de pedra. Isto porque as terras do condado ficavam ao nível do mar e os animais comestíveis pastavam no alto da montanha. Lá, frente a frente com a refeição in natura, normalmente eram derrotados, pois não tinham idéia de como se portar em situações extremas. Curiosamente, enquanto os rapazes buscavam nutrientes e as virgens praticavam esportes, a misteriosa criança ficava em casa. O fim da linha pros Almeida foi um capítulo especial. Numa terça à tarde, durante cerimônia de confraternização, promoveram um campeonato de apnéia em que todos os membros da extinta comunidade sagraram-se campeões.

Casa

Sonha um dia morar numa casa de lingüiça. Motivado pela satisfação com que absorve o alimento, imagina portas de toscana, armários de suína e janelas de calabresa. Tudo regenerativo. Se entretém com a insossa tela de plasma e a fria geladeira de material não comestível enquanto o cimento e as pedras ainda o cercam. Fiel à esperança que tem, aguarda pacientemente pela concretização da vontade. Sabe que, caso tenha o poder de escolha no momento chave, tanto os colchões e molas quanto o teto e as lâmpadas terão o sabor de seus devaneios.

Pães

Aqueles pães de forma não queriam ir pra torradeira, não gostavam de manteiga e tinham pavor de serem deglutidos pelo cara nojento da padaria. Estavam tensos. Sabiam que aquela poderia ser a última noite. O tempo passava e ninguém ajudava. Se pudessem, empurrariam uns aos outros para cima do tabuleiro. Um deles se limitava a olhar para baixo. Sem autoconfiança, perdida no momento em que percebeu ser o único sem dois lados iguais, sofria por antecipação. Se fudeu também, é verdade, mas quase escapou. O nojento estava esfomeado naquela manhã. Quando pensou em parar, continuou. Apesar de ser da linhagem mais resistente, aquele pãozinho agia como um coitado. Morreu sem saber que era especial.