Tibures

O frio é mesmo uma sensação térmica e, como tal, interfere bruscamente na rotina humana. Cito os Tibures como exemplo. O nome, de origem desconhecida, refere-se a um conjunto de pessoas que passaram maus bocados sob efeito de baixas temperaturas. No começo, enquanto tinham lenha para queimar, faziam fogueiras e esquentavam a água para tomar banho. Comiam mocotó, caldo de feijão e torresmo. Providos apenas de tangas e plumas, praticavam esportes não aquáticos e se abraçavam independentemente do afeto que tinham um pelo outro. As falsas demonstrações de carinho eram mais comuns do que as atitudes intempestivas dos integrantes do grupo. Um dos rapazes decidiu enfrentar a cachoeira gélida e jamais voltou. Jéssica, pouco apegada aos mandamentos da equipe, se irritou com os companheiros e resolveu caminhar indefinidamente até ficar imóvel e cair de lado. Alertados pelo insucesso dos colegas, os mais sensatos faziam reuniões às escondidas para definir a melhor estratégia de fuga. Se meteram na enrascada porque certo dia deram moral demais a um inconseqüente líder metido a calorento.

Joana

Do jeito que as coisas iam, beijar a menina não era questão de tempo. Até pensou em abrir o jogo pra ver se dava sorte, mas, ao invés disso, preferiu adotar uma tática nada promissora: ficar na dele e esperar que a iniciativa partisse do outro lado. A representante do sexo oposto, que gastava os dias úteis na expectativa pelos inúteis, sequer pensava na existência de Osmar. Dois, três meses e nada. O galanteador de meia tigela então decidiu arregaçar as mangas. Precisava chamar a atenção com algo que fizesse diferença e gerasse algum tipo de admiração em Joana. Para garantir um mínimo de auto-estima, começou pelo tratamento estético. Penteou o cabelo, foi pra academia, comprou perfume e tudo mais. O passo seguinte envolvia interação direta com a moça. Ensaiou algumas frases e, através de um dos meios de comunicação tradicionais, meteu bronca. Foi educadamente descartado. Já estava em outra quando ela ligou para revelar o surgimento do interesse. Tinha muito o que dizer, mas achou melhor deixar barato. Sabe que não consegue tapar as orelhas por muito tempo.

Cenários

Não sabe de antemão se vai ser melhor ir pra praia ou ficar em casa. Faz um balanço das opções e, sem convicção, decide de acordo com o aproveitamento previsto. Se vai pra escola, precisa aprender alguma coisa. No circo, o palhaço tem que ser bom. Pensa na tal produtividade até mesmo durante as atividades. Vê tudo do lado de fora. Critica cenários, personagens e diálogos. Sempre arrependido pelos dias desperdiçados, comemora idas a bons restaurantes e pedidos certeiros. Só percebe que está bem de vez em quando, normalmente em episódios caracterizados pela ausência de raciocínio lógico. Muitas vezes fala e espera a reação dos outros. Até gosta de ficar sozinho, mas prefere a companhia de pessoas com as quais possui intimidade avançada. Desenvolve, ao longo de longas conversas com a parede, técnicas capazes de impedir que o pessoal da rua descubra tudo. Ficou surpreso ao reparar a satisfação obtida em ambos os casos. Quando escolheu a praia, passou um tempo vidrado no mar.

Prenda

Entrou sem vaselina na vida de Rogério. De mãos atadas, aceitou a prenda e manteve a cabeça voltada somente para os benefícios. O barco, pintado de verde, até que agradava. Apostava corrida com os marujos de plantão, fazia manobras arrojadas e se aproveitava do estranho fetiche das meninas assanhadas. Pilotou em velocidade de cruzeiro até não agüentar mais. O curto período antecedeu as longas e cansativas viagens que precederam a repugna pelos tripulantes e passageiros. Inconformado com a proporção de cinco pra dois fora os feriados, começou a navegar de mau humor. Buscava, aos trancos barrancos, uma forma de gozar a vida sem as constantes interrupções. Olhou para os lados e notou que o envelope em cima da mesa gritava. Movimentou a correspondência da mão esquerda para a direita e decidiu correr o risco de desvendar o conteúdo. Mais calma, a carta dizia.

Goles

Eram os últimos goles de uma cerveja quente. Depois de observar o mundo ao redor, que borbulhava devido ao encontro entre pessoas animadas, resolveu ir embora a pé. Concentrado, maquinava uma forma de perpetuar o momento fadado ao insucesso quando foi interrompido por um cachorro quente completo e aquecido na chapa. Só deu ouvidos ao lunático de cabelos curtos para ver se o inexplicável desejo pela loira repugnante seria saciado. Imaginem um casamento em que a esposa fora recentemente mordida por um cachorro e o marido seja incapaz de se movimentar sem auxílio de aparelhos. De tanto pensar nas inúmeras variáveis, se perdeu na etapa mais elementar do trajeto. Passado o susto, graças ao andarilho do qual pouco se lembra, retomou o caminho correto. Passou ileso pelo ponto de táxi antes de subir os lances de escada que o separavam do local mais agradável. Sonolento, dobrou as roupas de qualquer jeito para em seguida enfiar tudo dentro da mala. Dormiu pelado, deu aula de sunga e viajou sem cueca.