Violeta

Viu, no arco-íris que apareceu de tarde, uma cor a mais. Eram oito. As de praxe e ela. Diferente, inesperada. À direita da violeta. Coçou os olhos pra abrir de novo. Continuava lá, nítida e inédita. Caiu bem. Combinou tanto que, de cara, apaixonou. Passou a achar o antigo insosso. Queria que fosse assim desde sempre. Novidade doida, surgida do nada. Deu o brilho que faltava. Que precisava. Andava descolorido, apagado. Parecia morto. Foi, providencialmente, recriado.

Pilastra

O morcego, perseguido pela gaivota, entrou na caverna. Parou atrás da pilastra. O pássaro pousou. Não viu o mamífero, esperou um pouco e foi embora com raiva. A potencial vítima, satisfeita pelo sucesso da fuga, deitou no colchonete. Precisava dormir. Não sonhou e, quando acordou, espreguiçou. Comeu duas torradas, meio mamão e bebeu um copo de leite. Saiu atento. Passou pelas cabras, vacas e cavalos. Saudou o coelho. Percebeu que o cachorro, machucado, latia baixo. Ofereceu ajuda. Ouviu o relato, diagnosticou e fez um curativo. Deu de cara com o bicho da noite anterior. Capturado, voou de carona até a cabana da ave mãe. Ficou com medo. Negou acusações e pediu misericórdia. Não tinha roubado a galinha.

Palavra

Marina, melhor que Maria e Mariana, chamou a atenção de Mário. Descia as escadas rumo ao térreo. Em prol da construção de um relacionamento afetivo entre ambos, o rapaz interrompeu o deslocamento. Pediu a palavra. Apresentou a si próprio, justificou a aproximação e acompanhou a reação. A menina foi simpática. Conversaram sobre particularidades e demonstraram interesse nas histórias que ouviam. O jovem então, educadamente, pediu um beijo na boca. Obteve a concessão e foi em frente. Acrescentaram abraços, fungadas e carinhos diversos. Só afastaram as cabeças por necessidade fisiológica. Deram as mãos.

Conta

Ninguém. Ninguém tem carinho por mim. Quer saber de mim. Se importa com o fato de eu estar vivo. Ninguém me procura. Torce por mim ou prestigia minha existência. Ninguém reflete sobre mim. Ninguém lembra de mim. Ninguém se interessa por nada relativo a mim. Ninguém me ajuda. Ninguém vê o que faço. Ninguém tá aí pro que penso, pro meu jeito ou pro que tá no meu prato. Ninguém me acompanha. Ninguém diz nada pra mim. Tô só. Isolado. Num tormento desmedido. No breu mais escuro. A fim de morrer por minha conta, não enxergo ninguém. Ninguém que se incomode. Quem lamente ou quem chore. Não há preocupação. Quem faça questão. De verdade, ninguém.