Abstinência

Desde a última vez, não olhou mais naqueles olhos. Não beijou a boca. Sofre de abstinência específica. De um abraço em particular. De uma pessoa só. Do cheiro agradável, do gosto gostoso e do movimento das mãos. Do frio na barriga. Dos bate-papos, das risadas e das brincadeiras libidinosas. Das manhãs, tardes, noites e madrugadas. Dos passeios. Dias em casa. Jogos indecentes e danças sensuais. Sexo de sobra. Do amor, carinho e atenção. Sente falta.

Discurso

Repetitivo, falou de novo o que tinha dito mais de uma vez. Usou gestos conhecidos e a entonação de sempre. Com poucas palavras diferentes, expôs o mesmo ponto de vista. Precisa mudar de assunto ou renovar argumentos. Os interlocutores, que não são bobos, percebem. Cansaram da ladainha. Mantêm distância, não prestam atenção e utilizam expressões curtas de concordância. Pra recuperar os ouvintes, precisa compartilhar idéias novas. Elaborou um discurso inédito entre os que já fez. Sobre o comportamento de membros da sociedade. Aguarda retorno.

Vestido

Saiu em busca de qualquer mulher. A primeira que aparecesse. Tava difícil, fim de noite. O show, de música típica, acabou cedo e o pessoal foi embora. Ficou pouca gente. Sem condições de escolher, já desesperado, investiu numa mocréia de vestido verde. Bem recebido, contou histórias e teceu comentários. Um beijo sem graça. No caminho de casa, carente, viu que não se divertiu. Fez um exercício na cama. Abriu a mente pro aparecimento de um rosto qualquer. O primeiro que viesse. Imagens desconexas. Nariz de uma, bochecha de outra e vultos. Até Gisele.

Bigode

Sem barba, Diego lamenta. Queria ter. O crescimento contínuo de pelos na face daria alternativas de composição visual. Entre elas, o cavanhaque. Não se incomodaria de fazer. Teria um barbeador potente, loção e creme. Quando quisesse um estilo rústico, deixaria cheia. Desleixado, mal feita. Pra ficar de cara lisa, do jeito que tá, rasparia. Possui cabelo na cabeça, pernas e axilas. No pênis. Imagina como seria. Desenha. O que existe, infelizmente, é muito pouco. O bigode é razoável. O resto é ralo e falho.