Duelo

A luta do preto com o branco, por razões naturais, deixou o organismo confuso. A agitação provocada por um vai de encontro ao relaxamento proporcionado pelo oponente. O preto é mais tranquilidade, reflexão. O branco não. É euforia, empolgação. Fica difícil escolher. Tudo junto, ao mesmo tempo. Pilhado, o de todas as cores chegou de sola e tomou conta do combate até começar a apanhar também. Apresentou um jogo de pernas invejável, aplicou golpes certeiros e, de maneira infantil, falou mais do que devia. O descolorido, de pé, consciente, esperou o adversário cansar. Reagiu aos poucos. Acertou um soco na barriga, um chute na cabeça e equilibrou o duelo. O corpo é que ficou desnorteado, incapaz de tomar partido. Eliminou os dois.

Quente

O reino do príncipe bisonho, animado, ficou pronto pra festa. Isso porque o cavaleiro insano matou o dragão gigante. A vontade do herói, que saiu sozinho do castelo medieval rumo ao vale sombrio, era salvar e, se possível, comer a princesa querida. Chupa pirulito. Não só pelo sabor do doce, mas também pela imagem sexy que passa pros habitantes do condado. O público, aos poucos, chegou bem vestido no quintal enfeitado. Só faltou um adorno bonito pra janela quadrada. O responsável pela decoração da parede, sujeito simples, teve que tirar o tênis e andar descalço no chão quente.

Sódio

Em crise renal provocada pelo consumo excessivo de cloreto de sódio, curvou o tronco com a mão direita apoiada na cintura. Fez cara feia e sofreu quieto. Quando a dor passou, esticou o corpo e respirou o ar disponível. Precisava tanto sair de casa que saiu assim mesmo. Presenciou a cena: um passarinho, de pena azul e bico preto, voou em direção à parede, não desviou e bateu de cabeça. Apagou na hora. A mulher boa, que também viu a colisão, caminhou até o local e pegou o bicho pra cuidar. Levou numa clínica especializada. Bem recebida, deixou a vítima aos cuidados do médico e aproveitou pra ir na loja do lado. Descobriu o preço do que queria, andou de carro e comeu num restaurante. No dia seguinte, quase certa da resposta, ligou pra ter notícias.

Figura

De frente pra TV que exibia um programa ruim, pegou a nota de dois e leu o nome do bicho desenhado no verso. Tartaruga marinha. Na figura, selecionada por profissionais do ramo, aparecem quatro representantes da espécie: a mãe e três filhotes. Ficou preocupado porque nadavam em direções diferentes. Caso permaneçam fiéis à diagonal proposta pela imagem, os jovens vão se perder da progenitora, que, com semblante fechado, segue o próprio caminho. Mas pode ser outra coisa. De repente é só uma tartaruga grande que passa perto das pequenas no instante retratado. Sem parentesco. Imaginou os jovens abandonados num ponto qualquer do oceano. O lugar que ocupariam no espaço, variável de acordo com o peso, altura e movimentação de cada um, pouco importa quando ninguém se preocupa.