Amarelo

Fica estranha com o par errado. Ri amarelo. Sabe que não combina e, se pudesse, esconderia. Não tem jeito. Perdeu o certo e não pode andar descalça. Apela. Quando olha, desgosto. Não é o que tinha. Suporta, com dificuldades, o peso da ausência. Faz de conta que tá bom. Que é assim mesmo. Sumiu na confusão, no tumulto. Tanta bagunça que, desorientada, deixou de ter. Lembrança nítida. Tamanho, cor e estilo. Usou na floresta. Na cama e na praia. Agora, desprovida, sente falta. Do encaixe. Da perfeição.

Varanda

Irritado com familiares, deu o troco. Esfaqueou a irmã e o pai. Na mãe, tiros. Empurrou primos no precipício. Queimou tios e o filho, mais velho, estrangulou. Asfixiou o mais novo. Avós afogados. Esmagou o crânio da sobrinha, chutou o neto e correu pra casa. Todos juntos. Não acreditou. Na varanda, de onde acertou a mulher, aplaudiam. Comemoravam o retorno. Ficou em choque. Pra acelerar a repetição da chacina, acionou a função giratória da metralhadora. Saiu de perto. Voltou e perdeu a cabeça. Viu que, ressuscitados, mandavam beijos. Saudavam o assassino.

Manga

Atrás do quadro, tinta branca. Azul no telhado. Falta estação no chuveiro elétrico. Tela nova, que, queira ou não, sempre pinta. Leite frio no copo d’água. Bermuda e chinelo. Masturbação, opcional, depois do café. Tem gente na rua. Teatro, festa e filme. Praia. Trabalho escravo. Fraude, vacilo e crime. Camisa, de manga, mal passada. Céu laranja e mato rosa. Fez de conta que o pianista, cínico, opinava. Teclas vermelhas. Intervenção silenciosa. Cadeira amarela e tijolo preto. Cabide verde. Moldura.

Patrocínio

As sardinhas entediadas, num papo mole, cogitaram voar. Correram atrás. Primeiro, de um snorkel às avessas. Depois asas e cartolina. Escreveram em letra de fôrma. Pra viabilizar o projeto, negociaram patrocínio. Comida, bebida e rede de proteção. Durante a substituição do sol pela lua, chegaram ao céu. Eram quatro. Uma em cada ponta. As que ficaram dentro d’água, sentadas em cadeiras de plástico, monitoravam. Torciam pelo sucesso. Lá em cima, já no escuro, acenderam as luzes. Mensagem nítida. Parabéns, tia Lúcia.