Teste

De cima da escada, gritou pra baixo. Elaine ouviu e passou direto. Nem olhou. Os amigos, interessados na consequência, subiram com o peso. Um aparelho novo, de materializar idéia. Dispensa caneta e papel. Tem botão pra apertar, espaço e cores. Chegaram no topo e deixaram em pé, virado pra janela. Deitaram de bruços. Reposicionaram o tapete, levantaram e observaram. Primeiro teste. O dono que começou. Uma frase simples, com sujeito e predicado. Tomaram um susto. O pensamento, preso na cabeça, tomou forma no automático. Nem disse nada. Veio outro, mais magro. Imaginou um desenho animado. Concebeu diálogos, personagens e fotografia. Roteiro escrito. Traços e movimentos em alta resolução. Faltavam dois. Luana e Rodolfo, um de cada vez, compuseram melodias e passos de dança. No silêncio.

Encaixe

Guardou a saudade na gaveta. Escondida do marido. A vontade que tem, presa no armário, já não faz mal. Convive. Quando lembra, disfarça. Finge que não pensou. Apostou no desapego aos beijos que ganharia, ao sexo que faria e aos sorrisos que daria. Paixão legítima, sincera. Química, física e histórias. Conhecimentos gerais. O encaixe perfeito esbarrou nos detalhes. Religião, política e economia. Vive com Otávio. Suporta a falta de odores, cores e sons. Mau gosto. Correria a mil pros braços de Mateus. Entre o que é e o que seria, do melancólico ao paraíso, abismo. Incertezas tantas que, na prática, fica parada. Envelhece.

Coceira

Movimentos involuntários perseguem Vitor. Pisca, entorta o pescoço e faz bico. Anda preocupado. É observado por quem passa. Evita interações pra ninguém perceber. Em momentos cruciais, esconde o rosto e concentra. Olhos fechados, pescoço firme e lábios imóveis. Atento, tenta controlar. Esquece e dispara de novo. Superada a coceira na nuca, começou a trincar os dentes. Balança a cabeça. Mãos no cabelo e assovios desconexos. De resto, é normal. Raciocina acerca de temas e possui opiniões. Não fala porque tem vergonha. Escreve e entrega. É solitário. As mulheres, assustadas, se afastam. Não gostam. Pretende superar a disritmia com tratamento adequado. Força da mente. Gasta tempo diante do espelho. Focado. Quando chamam pra conversar, numa boa, vira a cara e bota a língua pra fora.

Formato

Agora, quer mais de quatro. No mínimo cinco. Nos primórdios, conseguiu 12 duas vezes. O rendimento caiu aos poucos. Oito, seis, três. Um e nenhum, por exemplo, viraram rotina. Nivelou por baixo. Entende que é normal. Questão de tempo e entusiasmo. Esses dias, sem pretensão, chegou ao quinto de vinte. Ficou feliz. Se empolgou e tá convencido de que, com carinho, volta às dezenas. Escolheu assunto, palavras e formato. Copiou o que fazia. O resultado almejado, entre sete e nove, depende das impressões. Tá pronto. Dormiu no almoço e lanchou de tarde. Deixou pra de noite. Reavaliou, adicionou conceitos e acelerou o ritmo. Parou. Espera que o plano, de retomada, funcione a contento.

Código

Orgulhoso da urina que expele, olha pra baixo. O líquido, transparente, entra no cano e sai pela cabeça. Cai na água parada. A aparência saudável, adquirida recentemente, contrasta com a dos maus tempos. Era escura. Balançou o pau pra secar. Deu descarga, lavou a mão e passou na toalha. Quis mijar outra vez. Abriu o fecho éclair e botou pra fora. Levantou a tampa. Apontou e, durante a ejeção, pensou em código Morse. Numa combinação simples, decifrada por quem conhece. Acabou e saiu do banheiro. Pouco depois, sentiu de novo. A terceira, mais longa que as antecedentes, secou o organismo. Pulmões, bexigas e intestinos. Sedentos.