Valdir

Sofre porque tem um pau que, mole, é maior do que duro. A anomalia, percebida facilmente a cada ereção, atormenta a vida de Valdir. Nunca chegou aos finalmentes. Toma banho, passa perfume, arruma a casa, faz o diabo. Só não consegue evitar que as mulheres percebam o efeito inverso das carícias mais atrevidas. No auge da excitação, fica minúsculo. Desagrada. Algumas, na esperança de alcançar um meio termo que permita um encaixe minimamente prazeroso, tentam reduzir a libido do sujeito. Não adianta. Nem assim a coisa vai. Desprovido de controle suficiente para fazer a estratégia funcionar, Valdir lamenta pelas expressões de espanto e decepção. O trauma aumenta quando divulgam. Sem graça, mata no peito as gozações, cochichos e desenhos colados na parede.

Peões

Louca por xadrez desde criança, jamais se recusou a iniciar uma partida. Assistia a todos os jogos, colecionava figurinhas e permanecia imóvel em frente ao tabuleiro até perder as esperanças de alguém ocupar o outro lado. Teve uma vez que ganhou de cinco a zero do tesoureiro do colégio e, de lambuja, passou por cima do irritante dono da cantina, que sempre entregava os pontos antes da hora. Também já levou surras inesquecíveis. Mal das pernas, tomou de quatro do primo mais velho na própria festa de aniversário. Era comum passar noites em claro praticando os principais movimentos e descobrindo novas possibilidades. Hoje em dia, envolvida em tarefas alheias ao esporte, só joga uma vez por semana na casa de um amigo. Ansiosa pela chegada de cada terça-feira, imagina lances de efeito e atuações impecáveis. Só está no ramo de revelação em papel de fotos digitais porque não faz tão bem o que mais gosta de fazer.

Peixes II

De repente a porcentagem de oxigênio no ar caiu de 20 para 10%. Suficiente apenas para metade da população, a quantidade disponível foi disputada a tapas pelos cadáveres em potencial. Homens frágeis, mulheres, crianças e outros tipos de animais farejadores foram exterminados. Já os mais fortes, sobreviveram tranquilamente até se darem conta de que, no calor da disputa, esqueceram o lado digestivo da coisa. Só sobraram os peixes e vegetais para comer. Enquanto as plantas estavam a salvo graças ao resultado da fotossíntese, os escamosos lamentavam o fato de se movimentarem a esmo e caírem em armadilhas infantis. Um deles, por exemplo, fez questão de abocanhar o misterioso alimento prateado em forma de interrogação. A luta pela vida estava em alta no fundo do mar. Assim como os humanos no início do texto, os nadadores sem braço também sentiram na pele o efeito da parceria entre a seleção natural e o livre arbítrio. Os avantajados logo fixaram território em locais seguros e mandaram as tainhas e tilápias para o pelotão de frente.

Mãos

Se masturba pelo menos duas vezes por semana no trabalho. Apesar de consciente da bizarrice, convence a si próprio com o argumento de que todos somos esquisitos. Ninguém escapa. Além do mais, deve-se admitir que o sujeito tem talento pra coisa. O ritual se repete há anos e nunca houve quem desconfiasse da atividade física exercida nos dias mais excitantes. As precauções são simples: confere o trinco da porta, não emite sons e limpa tudo direitinho. Para os colegas, é só mais um fazendo necessidades. Quando não apela para lembranças de atos libidinosos marcantes, o onanista é estimulado por emails depravados, sites proibidos e revistas escondidas. Não liga se o compromisso seguinte é uma reunião de negócios ou uma festinha do departamento. Se limita a refazer o nó da gravata, dar uma olhada no espelho e seguir em frente.