Média

A inteligência acima da média, implantada na cabeça, permite que o macaco de laboratório tenha desprendimento. Pratique exercícios orientados, faça mágica e desenhe quadrinhos. Gosta da macaca que não pensa. Programada pra testar a reação do macho, anda nua entre símios que só bebem e falam merda. No idioma que quiser, Patrick estuda ciências. Conhece de artes e planejamento estratégico. Paula dorme e, após mastigar, digere alimentos. Não transa com chipanzés porque ama o gorila mestrado em psicologia. Pai de teorias e provido de libido, persuade a babuína com facilidade. Chega perto, lança uma letra e come. Se afasta e esquece.

Padrão

Pra escrever qualquer coisa, acaba rápido. Termina o texto, não revisa e passa adiante. Quem recebe fica assustado. Tem erros crassos e a idéia, mal explicada, é incompreensível. O outro cara, preocupado, demora mais. Pensa em cada frase. Às vezes, por capricho, refaz o que tá bom. Respeita um determinado padrão de qualidade. Um dos leitores de ambos, que possui discernimento, elogia o segundo. Abomina o primeiro.

Cabelo

Tinha uma dentaria bonita. Unidades pequenas, alinhadas e brancas. Agora tá mal. Tudo amontoado, amarelo e torto. Grande demais pra boca pequena. Falta espaço. Saliva. Ficou preocupado. Nervoso, precisava fazer até o fim do prazo. Esqueceu da cara. Dos pés e das mãos. Do cabelo feio, da barriga e dos peitos. Protegeu o cérebro do que não importa. Do formato da orelha, do pau fino e do olho de peixe. Deixou guardada a dor que sentiu. Depois que acabou, sorriu sem vergonha, quase satisfeito. Aliviado.

Pergunta

Quando ligou, já não queria falar. Ouviu frases em sequência. Ansioso pelo fim, prestava atenção num evento paralelo. Mantinha o tom de despedida. Ao longo do papo, nos silêncios, usava expressões curtas. Tava na cara. Questionado, acuado e cansado, aloprou. Respondeu a verdade pra pergunta repetida. Que, num banho frio, comeu Janete. Narrou as posições e contou o desfecho.

Pereba

A colher de sopa, com maionese, entrou na boca suja de Adão. Não toma banho. Líder de um pessoal anti-higiênico, defende a tese de que, quanto mais limpeza, pior. Gosta de porcaria. Cheiro ruim, catinga, fedor. É insultado por transeuntes. A esposa, Carla, nunca lava a cabeça. Tem pereba, frieira e demais sintomas associados à falta de assepsia. Casaram na igreja, imundos. Dispensaram água benta. Os órgãos genitais de ambos, encharcados de pus e sebo, interagem diariamente. O pau duro entra na vagina molhada.

Chá

Perto de quem não ama, passou um cara. Não tem certeza. Pelo barulho, foi beijo. Ou abriram uma lata. A primeira opção explica o descaso. Interesse falso, mentira. A falta de vontade, evidenciada pelas atitudes, motivou a desistência. Ninguém insistiu. Descartaram a proximidade e foram pra longe um do outro. Despedida fria. Poderia ir junto, conversar mais e perguntar pra saber. Não quis. Se fosse refrigerante, tudo bem. Cerveja, só tinha de garrafa. O suco vinha em caixa e o chá, gelado, não estava a venda. Voltou direto pra casa, pra cama. A moça, cobiçada no passado, sumiu do presente e do futuro. André dormiu.

Solo

Malha pra gostar minimamente da imagem refletida no espelho. Sabe que não fica perfeita. A flautista, sem banda, podia escolher qualquer uma. Colocou um disco. Ligada no som, principalmente nas intervenções do instrumento que assopra, fritou ovo. Botou sal depois do solo. Pra Bianca, ninguém vive tão intensamente quanto a letra supõe. Acabou uma e começou outra. Na introdução, imaginou um produto pra eliminação instantânea do que quisesse. Pra lixo e afins. Pro companheiro, na sala, é indiferente. Construída através de diálogos, interações visuais e contatos físicos, a relação vai mal. Dividem espaço e acumulam episódios.

Limão

Pra fazer um pão na chapa da melhor qualidade, investiu tempo. Visitou padarias e comprou manteigas de marcas diferentes. Na frigideira, de metal representativo, repousou o alimento que tem miolo. Passou ambos os lados e, quando começou a torrar, retirou. Levou à boca depois de assoprar. Deu um pedaço pra quem tava perto. Perguntou a opinião e ignorou o elogio. Arriscou uma receita inédita, com limão no lugar do laticínio. Funcionou mal porque ficou ruim. Na tentativa x, acertou a mão. Anotou as quantidades de cada ingrediente, marcou o período de permanência no fogo e saiu pra caçar pato. Consome a iguaria nos intervalos, junto com café.

Sunga

É possível pensar em almofadas. Num avental frio, descontos. Correria. Paralisia de circuitos pintados. Da janela, sorvete. Tatu misturado na infância com pérolas de vento velho. Desejo. Convencimento composto de pele curtida no alho. Sunga de galo. Meio-dia, semente e doença. Caçamba de prego que voa baixo. Cabideiro de coelho. Concreto no espelho. Jóias salgadas por tempo de permanência. Ângulo reto. Prancha no céu, perfumada contra a parede. Palavras decimais, alpiste na cebola. Descuido. Dormência. Coringa. Martelo. Peruca e tonel.

Universo

fez de outro jeito porque a vontade bateu muito forte e a solução foi adotar um estilo incomum de interação com o público que visita o espaço construído pelo idealizador interessado na expressão de idéias próprias acerca de um universo dotado de infinitos temas a serem abordados por quem repara nas conjunturas e desenvolve linhas de raciocínio relativas à qualquer aspecto da existência humana em meio à natureza e ao abstrato

Gelo

Os bonecos que controla, obedientes, correm. Param e andam. Caem nos buracos, tomam tiros e perdem força. Parecem humanos. Têm cabeça, corpo e roupa. As expressões faciais, copiadas dos exemplos, fazem sentido. Passou de fase quando encontrou a saída. Dirigiu os comandados até o canto esquerdo da tela e os obrigou a entrar pela porta. Chegou no chefe. Pra matar, usou uma arma eficiente. Calculou a intensidade do golpe e, na hora certa, bateu onde devia. Perfeito. Morreram na etapa seguinte, enforcados na caverna de gelo. Não desistiu. Viu onde errou, concebeu correções e tentou de novo. Voltou um pouco atrás, de onde parou.

Estilo

O parasita, próximo da morte, pediu ajuda. Explicou a situação pra um verme que passava. Recebeu os primeiros socorros, bebeu suco e ficou de repouso. Sobreviveu. Da glicose, energia. Proteína da carne. Os demais nutrientes, consumidos de acordo com a necessidade, tira de onde tem. O hospedeiro é tranquilo. Pratica esportes, faz sexo e, preocupado com o tema, investe na alimentação. Dorme cedo pra acordar disposto. Tal comportamento, aprovado pelo protozoário, é exemplar pra quem aprecia o estilo. Não acredita na existência de seres que não enxerga. Justifica com argumentos. Pessoas aconselham, contam histórias e apresentam teorias. Discorda de várias.

Interferência

Cercado pelo entorno, abdica de programas. Negligencia a família. Os amigos, quando aparecem, atrapalham. Tem projetos em andamento. Por falta de atenção, perdeu a mulher. Ganhou tempo. Gasta de acordo com necessidades e preferências. Dedica horas ao desempenho de atividades voltadas pro desenvolvimento pessoal. Descansa pouco. A rotina, definida em função da produtividade máxima, só é alterada mediante interferência externa. Fica incomodado. Alienado em relação a assuntos importantes, justifica. Tem mais o que fazer.

Líquido

Doido pra comer uma gostosa, tomou banho. Água quente no frio. Pelando. Pra acostumar, entrava e saía do raio de ação do líquido. Passou shampoo na cabeça e sabonete no resto. Terminou a assepsia, secou o corpo e, pelado, escolheu a roupa. Camisa nova com calça velha. Tênis cinza. Na rua, atingiu o auge da vontade de utilizar a genitália com propósito libidinoso. Concentrado nos peitos e bundas que circulavam, ficou com o pênis intumescido. Deixou de lado até amolecer. À noite, ainda imerso na obsessão, saiu em busca de uma mulher que topasse transar de graça. A primeira tentativa antecedeu as posteriores.

Pena

Consultou o dicionário pra entender. Leu, assimilou e viu outra. Arredia e epifania, respectivamente. Montou frases com as duas. As construções irrelevantes, armazenadas no cérebro, competiam. Dispensou uma, que chorou. A vencedora ficou assim: a segunda palavra no início, um aposto no meio e a primeira no final. Fazia menção aos benefícios da vitamina. Pensou em mulher, violência e araras de pena azul, que voavam num lugar fechado. Batiam com o bico no teto.

Banho

A melodia composta, até o fim, sugere uma linha de raciocínio. A letra é boa. Fala sobre um robalo gigante, que nada de dia e dorme de noite. Ganha peso no refrão. Quem criou, de banho tomado, mostrou pros amigos. Tem coragem. Confia na exposição das aventuras do peixe. É legal porque as partes agradam. Inventou e se aproveitou da inexistência física do personagem. Com a consciência tranquila, expõe a intimidade do animal. Não liga quando chove.

Mapa

Rosane voa insegura rumo ao castelo medieval. Fica atenta e nervosa. Qualquer deslize, no ar, vira medo de queda. Pegou a direita errada. De tão tensa, comete falhas. É comum. Leu o mapa repetidas vezes. Decorou as diagonais, perpendiculares e paralelas. Vinha reto e, antes da hora, entrou na transversal. Deu mole de novo. Inconformada, insistiu. Ultrapassou a fronteira, foi mais longe e chegou onde está. Pode continuar. Talvez volte atrás. A segunda opção, compreensível, justifica-se pelo histórico.

Vídeo

Ninguém ajudou o bicho descalço que pisou no prego. Os que usam bota, precavidos, têm rixa com os de pés no chão. Acham errado. Defendem a utilização do calçado como meio de prevenção contra cortes e doenças provenientes de micróbios. O buraco, pelo qual saía sangue em grande quantidade, foi tapado pela vítima com uma folha de bananeira. Presa por um barbante, não estancou, ficou vermelha, pesada e caiu. O esquilo, pálido, morreu. Os roedores da vertente oposta, interessados no processo, registraram em vídeo. É a prova do efeito devastador da hemorragia em animais de pequeno porte.

Destaque

Separou em temas e enumerou com parênteses fechados após cada algarismo. No primeiro, vida a dois. A um no segundo. Convivência em grupo, pessoas estranhas, alienígenas e bichos que falam. Das tentativas de agradar a si próprio, através da produção de teorias interessantes, destaque pra última. Tópico seis. Foi a menos pior. Ciente da ruindade do trabalho, ficou insatisfeito. Voltou ao assunto identificado pelo numeral que antecede o três. Pra descansar um pouco, fez uma pausa rápida. Mudou de idéia e priorizou a tese acerca de indivíduos esquisitos. Incluído na dissertação pra dar outro exemplo, achou razoável.

Tinta

Caminhões grandes, numa noite chuvosa, andavam em alta velocidade no sentido contrário da pista. Botavam medo no motorista que vinha de frente. Tanto que fechava os olhos quando passavam do lado. Num carro de passeio, com o limpador de para-brisa ligado, guiava nervoso com duas mãos no volante. Ônibus também assustavam. Tá melhor que antes, mas não dirige bem ainda. Precisa de estrada. É relativamente jovem, tem 34 anos. Do nascimento ao sexo, 16. Não lembra como gozou. De propósito, pra esquecer, produz pensamentos desconexos. Latas de água doce sem pirulito descascado no planeta. Passou tinta colorida na massa cinza. Pra superar, adotou uma tática. Manteve os olhos abertos, aguentou o frio na barriga e seguiu na faixa que ocupava.

Moita

Após investigação e confirmação das suspeitas, saiu pra almoçar. Pediu carne assada com linguiça. Aborrecido, comeu tudo enquanto elaborava estratégias de punição ao desafeto. De sobremesa, bolo de abacaxi. Voltou satisfeito, fez telefonemas e escreveu mensagens. Pôs em prática o plano arquitetado durante a refeição. A etapa inicial, de divulgação seletiva do ocorrido, surtiu efeito. No lanche da tarde, composto por dois salgados e um suco de caju, definiu a seguinte. Comprou cinco caixas de bola de gude e um estilingue. Improvisou uma espécie de moita e, ligado na movimentação local, aguardou a passagem do alvo. Acertou a primeira na testa, a segunda na barriga e errou a terceira. Sem saber a origem dos projéteis, a vítima correu pra trás de um anteparo. Conviveu com a dor, esperou a poeira baixar e deu as caras pra averiguar a situação. William continuava a postos e não perdeu a deixa. Uma das esferas de vidro, impulsionadas pelo elástico, pegou na perna e produziu um hematoma.

Cronômetro

Escondida na seção de frutas, a gelatina de limão muda de cor. Do verde, passa pra preto, vermelho, branco, azul, rosa e amarelo. Volta pro verde. É um produto novo, desenvolvido no laboratório de pintura e gastronomia. As trocas, efetuadas em intervalos de vinte segundos, intrigaram Danilo. Usou o cronômetro pra comer tudo no vermelho. Aproveitava enquanto podia, esperava dois minutos e voltava à ativa. Achou saboroso e ficou satisfeito pela ingestão de proteínas. O pó mágico, vendido em pequenas caixas, substitui alimentos do gênero. Quem achar a unidade camuflada entre bananas e tangerinas leva um brinde do fabricante.

Humano

O personagem engraçado já nasceu pronto. Com cor de pele, personalidade e história. No dia seguinte à depressão que teve, provocada pelo medo, demonstrou confiança. Acordou bem-disposto e empolgado pelas possibilidades em aberto. Saiu convencido de que tava tudo bem. Comparado ao humano que serviu de exemplo, parece muito. Numa das falas, diz: Deus é o caralho. É um filho da puta. Doente, maldito. Fudeu minha vida. Abusa dos palavrões. É que a figura mística, na qual botava fé, vacilou feio. Não admira mais. Critica. O motivo da revolta, mantido em sigilo no início, é revelado no decorrer da narrativa.

Roupa

A vida é bela por conta da morte. Opinião do personagem. Saiu como se tivesse falado alguma coisa. Só pensou. A existência, absurda, judia da religião. Filosofia representada. Interpretada pela platéia. A figura dramática passou longe do paraíso. No inferno, a oferta é zero. Não há atrativos. Guilherme, se pudesse, trocaria de roupa. Falta alento. Ao ambiente ruim, composto por nada que preste, volta ofegante porque é a reação esperada. Pára pra descansar. Tem alguém que chega, espera um pouco e puxa o diálogo que ensaiaram. Na cena, concebida pelo autor, o protagonista lamenta.

Saliva

Dentre as carnes, prefere língua. O discurso de defesa, pronto, justifica a escolha por dois aspectos: maciez e sabor. Supera o filet mignon. Também sobrepuja picanha e maminha com facilidade. Acha que a impopularidade do corte, flagrante, deve-se à procedência. Situado na boca do boi ou da vaca, o órgão convive diariamente com a saliva do animal. Tem gente que tem nojo. Leila não. Aprecia a receita que leva molho de tomate, purê e arroz branco. Quando apresentou a iguaria pra Leandro, pediram pratos idênticos. O rapaz, chato pra comer, não gostou. A moça percebeu pela expressão facial. Questionado, respondeu o contrário da verdade.

Kit

O psiquiatra, em sã consciência, receitou psicotrópicos. Ácido, heroína, maconha, cogumelo, cocaína e bala. O paciente tem problemas. Vítima de transtornos, precisa se tratar. Começou pelo pó, pra combater o cansaço e a baixa-estima. Depois fumou a erva. Obediente ao doutor, que deu a dica, também comprou frutas. Chupou laranja de manhã. Quando botou o doce pra dentro, ficou tranquilo. A heroína, injetada, fez efeito. Preparou chá com os cogumelos e engoliu a bala. Voltou ao consultório na data certa. Chegou entorpecido, explicou a situação e, examinado, recebeu um kit novo.

Golfe

Passado o impacto causado pela cara feia, avaliou o corpo e achou que não dava. Só armado. De granada ou bomba. Canhões e mísseis também serviriam. Sem artilharia pesada, obedeceu às ordens do monstro. Foi preso e, vigiado por alienígenas treinados, não sabe de nada. Só que tá num grupo de abduzidos. Reunidos num lugar comum, vivem cercados por muros altos que têm chapisco e vidro cortado em cima. Pra não machucar, não trepam. Não há vídeos que comprovem nem alguém que conheça. O lado de fora, pra delírio dos enclausurados, é uma incógnita. Um deles acha que são campos de golfe cheios de pés de maçã. Contestadores da teoria, crédulos quanto à inexistência dos campos, apostam que criaturas gigantes controlam o espaço externo.

Taís

Depois de um tempo, desencanou. Acabou com a neurose e abandonou a saudade. Eliminou o desejo e a dor. Voltou ao normal. Esqueceu. Tirou da cabeça pra viver do jeito que era. Apagou apelidos inventados. Aboliu memórias. Renunciou ao diálogo e abdicou das sensações. Parou de procurar. De prestar atenção. Descartou devaneios e possibilidades reais. Gustavo, então, desapareceu. Continua vivo, independente. Só morreu pra Taís.

Opinião

A frase, feita por alguém e já utilizada por terceiros, foi reaproveitada por Catarina. Expressa uma opinião baseada num argumento válido. Parecia indiscutível até ler a oração seguinte, que defende o pensamento inverso. Na dúvida, apelou pra outra, sobre escolhas. Não adiantou porque nenhuma reúne todos os aspectos a serem considerados. Resolveu escrever. Ao invés de isoladas, construiu sentenças complementares. O episódio virou texto. Começou pelos preparativos, caprichou no durante e parou no que veio depois. Agora, insatisfeita, quer continuar. Até que a história termine.

Corrida

Deus não tem mãe. O filho, Jesus, entrou na Terra pela floresta. Brincava com os coalas quando os leões chegaram. Todos agiram naturalmente. As zebras ficaram com medo porque são presas fáceis. Feliz pelas amizades que fez, a encarnação do arqui-inimigo do Diabo sugeriu um passeio. Subiram até o topo de um pequeno monte. Gostaram do que viram e desceram. Na beira do rio, sem proteção, apostaram corrida. Cristo deu azar. Com o pé de apoio, escorregou na lama. O macaco tropeçou num toco.

Fama

Escalado para representar a corporação, Celso estudou o assunto e preparou o discurso que faria. Chegou pronto. Ocupou uma das cadeiras e esperou o momento. Nem ficou nervoso. Quando requisitado, levantou pra falar. Já se complicou na hora da apresentação pessoal. Sem saber direito o que dizia, usou uma palavra no lugar de outra. Alguns dos presentes, conhecedores do termo mal empregado, acharam graça. Só seguraram o riso porque a reunião deveria prosseguir com seriedade. A história ganhou fama. Contam que Celso começou pela divulgação do próprio nome. Em seguida, de maneira pomposa, afirmou ser o prepúcio da empresa.

Ar

Igor decidiu mudar, reformular. Mudar de vez o cenário no qual, imerso, sucumbe. Trocar um ar por outro. Agora tá na fase de concretização do planejamento. A ideia, de passar os dias na boa e dormir em paz, ganhou força com a descoberta que fez. Gosta de jardins. Plantas em geral. Vai virar botânico pra passar mais tempo entre rosas, tulipas e margaridas. Também aprecia árvores frutíferas e vegetais comestíveis. É apegado às ervas medicinais. Tem interesse por algas, raízes e cogumelos. Das flores, prefere a orquídea. Ganhou uma de presente quando era criança. A menina, pela qual nutria uma paixão enrustida, tirou do galho e entregou pra ele.

Ordem

Era um bom momento pra cortar unha. Aproveitou. Começou pelo polegar e obedeceu a ordem natural até o mindinho. No caminho, passou pelos outros. Nenhum deu trabalho. Analisou, gostou e prosseguiu. Trocou de mão. Repetiu a sequência de dedos e chegou num resultado parecido. Já no embalo, pensou nos pés, mas não havia necessidade. Seria prematuro. Os pedaços arrancados do corpo, inúteis, jogou fora. Depois foi no banheiro e guardou a tesourinha na gaveta.

Transe

Pra Vanessa, Marcelo é a única prova de que é possível existir amor entre membros de um casal. A recíproca é verdadeira. Pensam um no outro. Contra a vontade, não se veem. Vivem distantes. Chegariam perto e, sedentos, nervosos, ficariam presos num abraço que não acaba. No mesmo beijo. Na tara de uma paixão pura, antiga, que nem futuro tem. Seria intenso de novo. Haveria aflição, carinho, devoção e medo. Abusariam do transe. Apesar da grande quantidade liberada, não gastariam todo o afeto reprimido. Precisariam de mais.

Presente

Cansado de quem é e da vida que leva, pensou com carinho na própria morte. Cairia bem. Cogitou o fim prematuro com tanta seriedade que, apesar da pouca fé, apelou pra Deus. Pediu a ajuda do suposto criador na esperança de aumentar as chances de concretização. Não tem coragem de cometer suicídio. Teria que ser um acidente ou um ataque fulminante. Perdeu o interesse pelo futuro, decorou o passado e abomina o presente. Tá pronto pra deixar o planeta e as pessoas. Não faz questão de ninguém. Passou por alegrias e tristezas rasas, medianas e profundas. Despreza emoções inéditas. Não espera por nada. Só quer que acabe logo.

Alerta

O palhaço negro, que contou a piada boa, conhece um malabarista branco. É possível que representem um número novo, escrito pelo roteirista moreno. O mais claro chega com laranjas, pronunciam frases e a encenação termina bem. Diana, meio japa, gostou do ensaio. Acompanhou a movimentação de palco e, alerta, corrigiu expressões faciais e entonações imperfeitas. Será que a defunta existe? Se tá na cabeça é porque existe. Associa a história com uma outra, que é contada por um autor diferente. Chora quando acaba. Acha agradável e aproveita. Vive em busca das lágrimas, das sensações que experimenta. Principalmente as provocadas pela arte.

Henrique

Construído às pressas, o disco voador chegou ao destino na parte da tarde. Netuno, o rei, estava a bordo. Passou mal logo de cara e pediu pra voltar. Sentiu falta de água salgada. Autorizado pelo chefe, entrou num meio de transporte e desapareceu. A tripulação tinha tarefas a cumprir. Jogavam sueca na rua quando avistaram o animal inconsciente. Sem cérebro, no sentido literal, é desprovido de instinto. Executa movimentos aleatórios e toma atitudes inexplicáveis. É gigante, tem barba e tem dentes. Partiu desgovernado pra cima de Henrique. O astronauta ingênuo, que desconhecia a espécie, quis dialogar. Foi esmagado. Os sobreviventes correram pra dentro da nave. O alienígena vinha em alta velocidade, tropeçou e caiu em cima do veículo. O impacto abriu um buraco no solo. Os visitantes, lá no fundo, perderam um tempo matutando antes de sair. Escaparam e contra-atacaram. Vestidos de cavalheiros da ordem à qual pertencem, montaram uma armadilha pro bicho acéfalo. Deu certo. Como previsto, a vítima não reparou no material pastoso. Derrapou até o abismo do planeta e despencou no espaço sideral. Por sorte, bateu numa estrela que não é cadente e passou a viver onde parou. Os heróis continuam metidos na expedição. Netuno, preocupado, anseia por notícias.

Descuido

Dedicou atenção exclusiva ao desenho. Nada distraiu. Não botou música de fundo e, determinado, prendeu o cérebro no processo de criação. Não deixou que pensamentos supérfluos viessem à tona. Se deixasse, a menina tomava conta. Além dela, tinham os deveres, os problemas e demais possibilidades. De vez em quando um tentava. Rechaçado pelo bloqueio abstrato, morria no limbo. Um descuido e a parede suja viraria história. Tiraria Jaime do foco. Depois que acabou, pensou no que pensa normalmente. Desligou o ventilador e foi fazer outra coisa.

Circo

As orientações do líder, passadas via megafone, são improdutivas. O equipamento não tem voz própria. Amplifica a do oficial, que comete erros linguísticos e conceituais. Gostaria de ser empunhado por alguém diferente. Pensa num palhaço. Viveria no circo, na mão do artista. Não gosta de políticos. Com o professor de atletismo, conheceria as características do esporte. O sonho mesmo é andar com quem mais admira. Argumenta bem. O herói do megafone é gente boa, esclarecido e justo. Seria incapaz de falar tanta merda. No quartel, é de uso exclusivo do tenente.

Buracos

Ana tá mal. Perdeu a mãe, o pai e o filho. Não acredita. Remói. Na despedida, definiu quem ficaria onde. Três buracos em paralelo. Jogou flores por cima. Deu a olhada final, virou de costas e foi pro carro. Girou a chave. Quase pegou e morreu. Pediu assistência. Por falta de opção, usou o cemitério como referencial. O prestador de serviços chegou e puxou assunto. Questionada sobre o ocorrido, descreveu o problema.

Lado

Apesar de ser macho, fala muito em traveco. Já tá no automático. Menciona num papo qualquer, fora de contexto. Os amigos e parentes levam na brincadeira. Atraído pelo lado cômico que vê na figura dos representantes, usa a classe pra fazer piada. É a mesma coisa com prostituta. Acha que os portugueses e gaúchos perderam a graça. Quanto aos negros, nunca tiveram. Prefere os afeminados. Diz que não é por maldade e que, convicto, defende o livre arbítrio. Vira o rosto quando dá de cara com exemplares do gênero.

Falta

Na base do ponto final e vírgula, Jorge escreve. Mais nada. Se bem que, às vezes, pode aparecer um dois pontos. Dispensa exclamações pra evitar interpretações exageradas. Talvez faça falta. O motivo que tem pra manter o hábito, justo, concorre com o motivo inverso. Não sabe se faz sentido. Poderia perguntar, mas não quer. Pensa, anda e fala, sem reticências. O ponto e a vírgula juntos, um em cima do outro, nunca botou.

Vara

A velha gaiola, construída pelo marceneiro da tribo, vale pouco porque é ruim. A madeira é imprópria, mole demais. Passeiam em grupos. De acordo com a afinidade, ficaram dois na frente, três no meio e dois lá atrás. Os primeiros, com vara na mão e tanga cavada, não avisaram de propósito. A cavalaria passou por cima. Os da retaguarda, desprotegidos, sofreram lesões corporais. O da direita principalmente. Devido ao choque, perdeu o braço mais utilizado. Reaprendeu a escrever, jogou pedra com a canhota e voltou à ativa. Pescaria no mesmo barco. Sem assunto, ficaram quietos.

Tarde

A dor que Cecília sente hoje, quando pensa em Clodoaldo, é menor em relação à dos primeiros dias pós-ruptura. Já não chora, passa rápido pela idéia e fica em outra. Dorme e acorda melhor. Apesar de compreensível, a atitude vai de encontro à promessa. Jurou que sofreria pra sempre e, de acordo com as palavras pronunciadas, a vida ficaria ruim ao extremo. Os parentes e amigos aprovam a mudança de raciocínio. Numa tarde dessas, triste, fraquejou. Gostou da música, ouviu duas vezes e mandou pro ex. Clodoaldo também repetiu. Naquela hora, quase de noite, quis Cecília de volta.

Olga

Depois da foda, bem dada no banheiro de cima, foi no debaixo. Urinou e saiu. Olhou pros lados, procurou, não viu e parou de procurar. Só lembra da roupa azul e da bunda branca. O rosto, sem nome, quase bonito, sorriu na hora. Beijaram de língua e subiram. Tirou o pau da cueca, mirou e enfiou. Com velocidade e intensidade variadas, aproveitou despreocupado até baterem na porta. Trocaram de posição. Usou o ombro pra ninguém entrar e manteve a boca perto do ouvido. Na arrancada final, rumo à ejaculação, pediu o que gosta. Terminou e abotoou a bermuda. Incomodado com as pessoas lá fora, que insistiam, gritou de volta enquanto Olga levantava as calças. Desceram juntos.

Mesmice

Comparada às outras, fica no meio termo. Não tem graça. Não cheira bem nem mal. A cor, ausente, combina com o gosto de nada. Não causa impacto. É ignorada porque não faz diferença. Não tem vontade e não responde. Não diz o que vê. Não se incomoda, respira sem querer. A cada dia, se adapta. Não reclama. Não chora. Não ri. Bota qualquer roupa, sem maquiagem. Não tem sal. O açúcar, deixa guardado. Dorme e acorda. Sem alegria e sem tristeza. Sem variação de sensações, escapa da mesmice.

Fraco

No geral, achou fraco. Acompanhou a história com medo de não entender. Voltou uns pedaços, concentrou e pensou. Preso ao intelecto que possui, acabou perdido. As coadjuvantes, pouco famosas, mediam forças pra chamar atenção do protagonista. Seria fácil melhorar. Botaria atores de qualidade, faria ajustes nos diálogos e alterações no roteiro. Procurou pelos comentários de quem já viu. Um dos críticos, filho único, elogia a produção.

Haroldo

Haroldo queria coisa boa de verdade. Nada mais ou menos. Esqueceu o que tinha e partiu pra outra história. Do zero, sem reaproveitamento de frases. Manteve a calma e a confiança. Se quisesse, podia apelar. Os primeiros dias passaram, os do meio também e, quase no final, surgiu um começo decente. A raposa fica na espreita e é cautelosa. Tá na cara. Quando escreve, fica claro, ninguém pergunta. Brilha entre as infinitas possibilidades e gera contentamento. No capítulo sobre as aves, usou a foto do gavião-pato.

Modelo

A beleza impressionante, ostentada pela princesa, chamou a atenção. Ganharia uma série de elogios de autores preocupados com descrições físicas. A imagem da mulher, presa na cabeça do desenhista do rei, virou quadro. Arte solitária. O fundo é preto. Tem vultos discretos, um cara apagado e a modelo na frente. Só porque é bonita. Aparece de corpo inteiro, dentro de um vestido informal. De sandália rasteira, de amarrar, mostra as unhas dos pés. O cabelo solto combina com o sorriso. Ficou tão bom que tá na parede do quarto. Quando entra, esquece o resto e fantasia.

Ninguém

Depois de vomitar enquanto escovava os dentes, tomou café da manhã. Levantou sozinha da cadeira. De pé, quebrou a perna e caiu. O osso podre, gasto, rachou de velhice. Morreu no hospital. Quando chegou, disse que gostava da vida. Contou sobre amigos, família e homens em geral. Não saiu devido à fragilidade do organismo. Teve uma filha. Daniela. Cresceu e teve dois filhos. Danilo, mais novo, chora quando é tocado. Não no sentido literal. Fica frágil diante de circunstâncias que emocionam. Em desenhos de criança, na cama, enxuga as lágrimas. Ninguém comenta. Ninguém pode ver. Nessas horas, esconde o rosto.

Absurdo

Apesar do frio absurdo, foi pra night. Botou cueca térmica, meia grossa, duas calças, três camisas e uma touca de lã. Ouviu a primeira música ao vivo e tirou uma das peças. Empolgado pelo astral do público, executou passos elementares de dança. Logo reparou na mulher bem vestida que, sem luvas, mostrava as mãos. Puxou papo. O clima esquentou quando pediu um beijo. Negado. Insistiu porque achou que dava. Bebeu mais um copo, falou sobre a vida e ouviu a história da moça. Olhou nos olhos. Aproveitou o momento propício, sorriu e arriscou a aproximação silenciosa. Deu certo. Depois, acompanhado pela conquista, chegou no quarto de casa. Tiraram a roupa toda.

Carinho

A sandália dourada, com bordado e salto alto, é o prêmio disputado por mulheres que aprovam o modelo. Fazem o que podem pra ganhar. Pro calçado em si, que abomina a competição trimestral, é péssimo. Tem cheiro misturado e sofre com a variação de tratamentos que recebe. A penúltima vencedora, sem consideração por objetos inanimados, andou na lama, jogou no armário, usou de novo e só lavou na véspera da final. A última não. Cuidou com carinho e, muito apegada à peça, tá triste por ter que devolver. A próxima edição não contará com participantes de edições anteriores.