Escola

Chega, senta, não pergunta nada e começa. Incomoda. No início, solidários e inocentes, deixaram à vontade. São treinos pra eventuais apresentações. Diários e repetitivos. Flautista na escola, virou ator. Pratica diálogos e expressões. Voz alta, cantoria e gritos. Não é que não gostem. Tão cansados. Acostumado à conivência, é insensível ao desprazer que proporciona. Tá no automático. Quer, ao máximo, aproveitar o tempo no espaço. Os importunados discutem. Uns defendem a abertura do jogo. Interromperiam de imediato a continuidade do comportamento, justificariam a mudança de humor e esclareceriam as saídas pela esquerda. Outros, pela omissão, confabulam. Adilson interpreta.

Consumo

A caixa d’água, vazia, precisava encher. Repetia preces que conhecia. Vibrou quando apareceu alguém pra, finalmente, ligar a bomba. Alívio. O fluxo foi liberado às nove e interrompido às onze. Quase entupiu. Ganhou peso que não queria. Perdeu aos poucos, no decorrer do consumo. Sílvia demora no banho. Evandro é rápido. Filhos e visitas, em proporções distintas, também gastam. Dias depois, alcançou o nível ideal. Volume médio. Nem pouco nem muito. Pra continuar assim, do jeito que gosta, depende dos moradores. Teriam que saber do desejo e fazer por onde. Não percebem. Insensíveis aos anseios do tanque, deixam secar.

Furo

Os sobreviventes, após enterro dos mortos, construíram o barco. Cataram madeira, cipó e pano. Eram nove jovens. Três rapazes e meia dúzia de moças. Ignorantes em relação à náutica, demoraram pra acabar. Botaram na água. O primeiro furo, taparam. Depois não deu. Voltaram pra terra firme. Após insinuações, conclusões e discussões, Beatriz tomou a frente. Mandou Tarcísio arrumar cola. Priscila martelo e Andressa, caixa de papelão. Pediu ajuda pra Renata. Na areia, desenhou atividades e funções. Teria que caber todos, flutuar, ganhar velocidade em razão do vento e possuir mecanismo de imposição de direção. Avelino e Vera, responsáveis pela alimentação do grupo, trouxeram capivaras abatidas. Rejane cozinhou e Tenório lavou a louça. De noite, música ambiente.

Parede

O que faz à noite, no quarto, é normal. Dorme de lado. Rola na cama e perde contato com o travesseiro. Acorda de barriga pra cima. Durante o sono, ao que parece, desliga. Não entende bem. Sonha quando não passa batido. Na última produção da mente em estado de torpor, protagonizada pela colega atraente, deu tudo certo. Falou pouco e começaram. O coito imaginário foi interrompido pela realidade. Assustado, viu as horas. Dava tempo. Tal atividade mental, imprevisível, impressiona Caio. Flor que voa, luva na parede e elefante magro. Tem dia que baba.

Azul

Debaixo de chuva, pulou a poça d’água. Atravessou a rua. Aproveitou a presença da marquise e, desatenta, trocou de camisa. Tirou a molhada e botou a seca. Verde por azul. Olhou ao redor. Surpreendida pela presença do rapaz ao lado, cumprimentou e disfarçou o constrangimento. Esperava o ônibus. Minutos antes, entediado, lamentava. Viu com clareza e achou a cena ótima. Entusiasmado, fingiu naturalidade. Sorriu de volta. Após o compartilhamento de comentários banais relativos às circunstâncias, silêncio e atenção. Veio o coletivo.