Osso

Não é de ferro. A carne, colada no osso, sofre cortes. O osso quebra. Nervos que passam pela cabeça e coração pelas mãos. Diarreia, limitações e teimosia. Sujeição à panes. Entre sim e não, possibilidades que atormentam. Funciona. Silencia no fim. Esconde o que guarda, absorve e resigna. Quis ser escritor. Leu e escreveu sem que ninguém visse. Quis ser músico. Som no quarto, de porta fechada. Trabalha. Ingere. Fim de semana. Dorme. Acorda. O contentamento, intermitente, acaba em desgosto. Cobrança. Prazo esgotado. Ante à conjuntura, propícia à colapsos, retração. Resistência.

Palácio

A cabra recorreu ao coelho. Ganhou um pouco de pelo. Rabo do cavalo e orelha do porco. As patas, doadas pela vaca, couberam. Depois da boca cedida pelo leão e da genitália pela raposa, faltava o nariz. Pediu pro jacaré. Pra macaca, pro galo e pro peixe. Ninguém tinha. Orientado pelo sapo, foi no palácio. Bateu na porta, recebeu a negativa e voltou pra casa do caranguejo. Triste, comentou com o esquilo que, comovido, sugeriu ver com a girafa. Do lobo, tomou um fora. Elogio da tartaruga. Conseguiu com o elefante. Botou no lugar e, de imediato, começou a cheirar.

Bocejo

Após matar, pediu desculpas. Agiu por instinto. Considerou ameaça quando, a pé e de bota, o menino ultrapassou a cerca. Vinha com um facão pra cortar galhos e uma vara de pescar. Olhou pro hipopótamo. Sentiu medo mas, por ignorância, não cogitou a possibilidade do assassinato. Achou que era um bocejo e seguiu em frente. O animal então saiu da água, correu determinado e atacou. O lagarto viu. Criticou o homicida pela intempestividade. Alertou pro fato de que, com esse tipo de recepção, afastariam as visitas. Falou sobre bom senso e reiterou a necessidade de raciocínio prévio à atitudes do gênero. O mamífero entendeu e, arrependido, prometeu melhorar.

Térreo

Cheirou um pó e foi pra escola trincado. Fez a redação. Releu, virou a folha e, com calma, esperou pra entregar. Pensou na vida. No pai, na mãe e no irmão. Na avó, que mora longe, e nos primos. Desenhou no papel em branco. Trocou de lápis pra colorir. De uma hora pra outra, lembrou da frase e quis mudar. Revirou pra reescrever. Confuso em relação à mensagem, demorou. Trocou o conceito pelo fato. Botou um ponto no fim. A professora, ansiosa pra sair, recolheu apressada. Desceu devagar. Chegou encucado no térreo e pediu a opinião do pessoal.