Corredores

Nem me pergunte o que acho do cara que fez aquilo com a mulher do amigo. Sei por A mais B da existência de justificativas para a execução de atrocidades, mas certas coisas são demais. Ainda tentei colocar na cabeça do infrator que não valeria a pena correr o risco. Que seria melhor deixar pra lá e continuar de bobeira em casa. Após pedir um copo d’água e calçar as meias, coloquei o tênis errado só pra dar uma enrolada. Levantei do sofá apreensivo. Quando passamos sorrateiramente pelo portão, meu rosto já não escondia o medo de prosseguir. O idealizador da atividade, macaco velho, estava empolgado. Reclamava de minha lentidão enquanto pensava alto nos detalhes. Bem ao seu estilo, proferia frases desconexas ao mesmo tempo em que coçava os braços com olhar fixo em pontos aleatórios. Chegamos e logo dividimos os papéis de acordo com o perfil de cada um. Fiquei com a parte que queria desde o começo. Invadir a casa do camarada e andar pelos corredores é piada perto da utilização do negócio que escorrega para tal finalidade. Logo em seguida pegou a menina pelo braço, andou rapidamente até a esquina e diminuiu o ritmo para atravessar a rua. Só se deu conta do resultado da mancada depois dos primeiros golpes. Corri o quanto pude.

Quarto

A casa vermelha de muro branco dava de frente para a rodoviária. O cômodo preferido, freqüentado nos momentos de carência afetiva, era permanentemente habitado por três mulheres sempre dispostas a manter relações sexuais com o proprietário. Fruto de um antigo desejo de Reginaldo, o quarto das putas esteve ativo de março a setembro do ano passado. Contratou doze meninas e as separou em quatro equipes. Cada trio ocupava o aposento durante seis horas por dia, o que eliminava a possibilidade de viagens perdidas. Entre as exigências, estavam a alteração semanal da composição dos grupos e a realização de festas de boas-vindas em todas as aparições do chefe. A manutenção da limpeza e cheiro agradável no ambiente também faziam parte do acordo. Muitas das visitas de Reginaldo não eram planejadas. Localizada estrategicamente no caminho entre a cozinha e a sala de estar, a porta azul de madeira acabava sendo aberta mesmo em ocasiões inapropriadas. Não conseguia terminar os relatórios nem ver a última parte dos filmes.

Quinze

O que antes fluía tornou-se questão de honra para o rapaz ainda em fase de maturação. Quinze seria o ideal. Não que fosse uma obrigação ou algo extraordinário. Só queria eliminar a possibilidade de, com o tempo, sentir dificuldades. Engraçado como se concentrava à espera do conselho seguinte. Os lampejos enfileirados sumiam do mapa até aparecer um que prestasse. Em estado de transe, proporcionado pelo apego ao ato, rabiscava tudo e começava de novo. As melodias chegavam aos ouvidos sem cerimônia. Um terceiro elemento aparece com uma nova abordagem. Assim como os corpos que transitam por aí, prossegue confiante e desconfiado de tudo. Abriu a porta pra ver se vinha alguém. Não fosse por isso, a precedente afirmação antecederia imediatamente a próxima. O dia e o dia seguinte estavam sob controle.

Espelho

Se olhou no espelho e se achou bonito. Estava pronto para viver o mais bem aproveitado dos quase 10000 dias colocados a disposição até agora. Em resumo, acordou sem pensar no que teria que fazer, fez o que deveria ser feito e dormiu com uma mulher que o tornava capaz de acreditar. A falta de detalhes irrita os colegas. É o único da rapaziada que não revela as peripécias sexuais aos quatro cantos. Obedece a uma ética própria de que, se é para contar vantagem, também deve divulgar as decepções. Como a balança pesa para o lado das derrotas, tornou-se uma pessoa de poucas palavras. Os amigos narram histórias incríveis em pormenores. Escuta tudo atentamente e só comenta alguma coisa de vez em quando. Por mais que superestimem o conteúdo do rapaz, os ouvintes sabem que há algo de errado quando tanta expectativa é bombardeada por frases comuns. Sentem na pele o efeito da introspecção em níveis avançados.