Remédio

Parece morto. Perdido, perturbado. Controlam pra não morrer. Saiu do coma e, atordoado, voltou à rotina. Tinha um piano que tocavam. Alguém, poderoso, mandou vender. Acabou a música. Magoado, não digeriu. Decepção que acelerou a deterioração do cérebro. Mais remédio. Psiquiatra, psicólogo, cardiologista e anestesista. Licença médica. Afastamento. Confuso, tenta esconder. De si próprio e de quem aparece na frente. É triste porque tá claro. Não vê que já não lê, não joga e não entende. Esquece. Passa dopado pelos dias. Cabeça que voa. Num tempo, espaço e cadência diferentes, não sabe bem de mais nada. Tá acabado.

Doce

Tem bala em casa. Doce. Planta, farinha e álcool. Não quer nada. Tá devagar, quase parada. Corre o risco de perder tudo. A validade das drogas, explícita somente nas engarrafadas, é um mistério. Podem ter estragado. Sem problemas. Se for o caso, esquece. Pensa em doar pra alguém. Amigo, conhecido ou usuário qualquer. No sentido tóxico da expressão, tá limpa. Não quis falar em sexo. Estuda, trabalha. Não reclama. Gosta da fase que vive. Viciou em outras coisas. Tá preocupada.

Lanche

Com saudade, quer ver de novo. Chega a doer. Seria inocente, descontraído. Nada que repoluísse águas passadas. Trocariam beijos e, no abraço, um tempo. Perguntas genéricas, temas atuais e olhos curiosos. Teria que sentir. Perceber, entre ações e reações, vontades e tendências. Pensa em desculpas, motivos. Cinema ou qualquer coisa. Lanche da tarde. Ficariam a sós. Diante da possibilidade de decepção imediata, protela. Projeta a retomada do convívio. Desdobramentos. Tudo dá nó. O que dá certo, no fim, não sabe. Convite pronto. Silêncio.

Serrote

Foram três planos. Fabrício apostou na força. Quando a sós, quebrariam uma das hastes. Falhou. O de Fernandes, baseado na velocidade, também deu errado. Disparariam assim que abrisse. O guardião, atento, impediu. Felipe pediu tempo. Acumularam matéria-prima e ingredientes nocivos à saúde humana. Fizeram um serrote e um veneno. Espalharam onde, certamente, Clóvis encostaria. Foi rápido. Passou a mão na boca e caiu morto. Cortaram a madeira. Escaparam. Na época, já cantavam. Comiam, bebiam e dormiam bem. Pés no chão. Precisavam decolar.