Hospital

Quando precisou, foi ignorado. Achincalhado, agredido e roubado. Parou no hospital. Achava que, em situações extremas, seria protegido. Que seres do porte de Lanterna Verde apareceriam pra ajudar. Sumiram. Ao invés de patrulharem o bairro, que prossegue perigoso, brigam entre si. Por ego. Pela sensação de superioridade, abdicaram do propósito. Deixaram o mal à vontade. Em suas salas, fiéis aos princípios, vilões confabulam. Espalham capangas pelas ruas. Promovem guerras intergalácticas e exterminam inocentes. Nada de super-homem.

Ponto

Dormiu cedo pra acordar cedo, levantou na hora, tomou banho, escovou os dentes, mal tomou café, escovou os dentes, trocou de roupa, saiu de casa, chegou no ponto, esperou o ônibus, esperou o ônibus, pegou engarrafamento, pegou engarrafamento, desceu do ônibus, chegou atrasado, foi repreendido, trabalhou, mal almoçou, trabalhou, trabalhou, saiu do trabalho, chegou no ponto, esperou o ônibus, esperou o ônibus, pegou engarrafamento, pegou engarrafamento, desceu do ônibus, chegou tarde, mal jantou, dormiu cedo pra acordar cedo.

Relógio

Admira tanto a Reginaldo quanto admira Kobe Bryant, astro da NBA. Planejamento impecável. Pontualidade, mantimentos adquiridos com antecedência e vestuário adequado. Relógio amarelo. No cume da noite, alerta, interagia. Tinha amigos. Espécies de Shaquille O’Neal, Pau Gasol e Derek Fischer. Jogavam bem juntos. Nas dificuldades, uniam forças. Foram expulsos. Do lado de fora, impedidos, orientavam. Torciam. Diferentes entre si, primavam pelo companheirismo. Bebiam, cantavam e botavam a mãe no meio. Criavam polêmica.

Agulha

A bala na cabeça do pato, que não era o alvo, fica entre o bico e a testa. Vira e mexe sente dor. Parece uma agulha que enfiam até o talo. Demoram a tirar. Passeava com a pata quando, atingido, apagou. Cristina chorou. Assustada, levou pro hospital, explicou o ocorrido e pediu ajuda ao protetor das aves. Intervenção cirúrgica. Deu certo. Acordou seminu e, ainda confuso, cacarejou. Profissionais da saúde apareceram pra ver. Deram alta. Conversaram, no caminho de casa, sobre a vida. Tiros, mortos e feridos. No que abriram a porta, quis copular. Deu beijo, fez carinho e strip-tease. Beto, com enxaqueca, disse que não dava.

Carruagem

Tá estranho. Não satisfaz. Pra ser mágico, falta muito. Quer o jardim florido com sol ameno. Abraço que encaixa. Beijo de verdade, piquenique e céu azul. Amigos em festa. Sorrisos, filhos e carruagem bonita na tarde de outono. Na expectativa, passou o dia séria. Inteiro, do início ao fim. Sem força, sem dança e sem graça. Sentiu raiva, angústia. Nuvem cinza na cabeça, que, persistente, perseguiu. Conhece o caminho e sabe que tá errado. Que, desse jeito, não chega. Por mais que insista, que tolere circunstâncias, ainda sonha. É pouco. Precisa do olhar que invade a alma. Do arrepio e da cama. Chuva, frio e coberta.