Genética

Osvaldo, confiante, calculou o raio. Multiplicou por dois e marcou a c com um xis. A seguinte, sobre conjuntos, pedia a interseção. Animais e frutas no enunciado. Regra de três, clima no Oriente Médio e política no Brasil. Terremotos. História depois. Revoluções, golpes e tratados. Muita guerra. Reações químicas, magnetismo e espelho. Genética e botânica. Na de português, junto com literatura, crases e verbos entre romances e poesias. Redação pra fechar. Tema atual e limite de linhas. Usou o rascunho. Gostou, passou a limpo e foi embora. Em casa, de imediato, questões discursivas.

Cólera

Agnaldo sentiu raiva. Quis responder, agredir e explodir. Arrancar a cabeça. Desconsiderado por quem amava de paixão, entrou em desespero. Andava pros lados, pra frente e pra trás. Resmungava. Com os olhos marejados, respirava com força. Pensava nas palavras e gestos que usaria. Em como faria pra afundar a tal pessoa num buraco cheio de lama suja. No auge da cólera, disse palavrões em voz alta. Mesmo que a reação brutal e imediata parecesse justificável, preferiu esperar. Se conteve. Respeitou a possibilidade de arrependimento. Até que, depois, a fúria virou desdém. Ao invés de gritos e revolta, silêncio. Afastamento. Não precisou brigar, orientar ou desabafar. Deixou daquele jeito. Resolvido.

Tampa

Deixou o copo sujo de suco em cima da pia. Foi embora. Quando voltou, interrogada por Adriano, pediu desculpas. Disse que prestaria atenção. De tarde, esqueceu o prato na sala. Adriano recolheu. Lavou, secou e guardou. Ficou puto. Depois do banho, distraída, pendurou a calcinha no box. A toalha, molhada, jogou na cama. Foi difícil pra Adriano. Num suspiro, superou. Nem falou nada. Mal deram boa noite e dormiram. Ela, antes dele, acordou. Deu a defecada matinal e não deu descarga. Voltou pro quarto. Adriano, com vontade de mijar, levantou a tampa. Viu e sentiu. Com raiva, apertou o botão. Esperou a sucção, fez o dele e apertou de novo. Lavou a mão. Secou. Abriu a porta e perguntou se Tânia tava de sacanagem.

Volta

Cansou da oscilação. Oscila muito. Cansa muito. Intermediários, melhores e piores momentos. Revezamento ininterrupto. Todo dia. Prefere morrer nos escombros. Aí passa. Fica tão bem que, pra lembrar, grava. Fecha os olhos, sente e absorve. Usa a recordação no marasmo. Pra evitar a desistência. Pelo que é mais ou menos, que não tem graça nem desgraça, passa batido. Segunda opção. Não consegue porque não dá. Algo acontece pra um dos lados. Pro encantado ou pro caos. E volta. E volta. Quer que pare, que continue e que volte. Não grita. É infinito. Que nem poesia, canto e conto. Balé do começo ao fim. Precisa ouvir. Imaginar é pouco.