Bolo

O indicador, dormente, deixou Flávio. Usava pra apontar, digitar e enfiar na orelha. Percebeu que faz falta. Quando acordou, sentiu. Quis controlar. O formigamento incessante, provocado pela pressão, levou o fura bolo. Entre os dedos, burburinho. O médio e o polegar gostavam do vizinho em comum. Ajudaram no que puderam. O anelar e o mindinho, de mal, torceram contra. Pra que caísse e morresse. Os da outra mão também. A redenção da canhota, sonho antigo, dependia do infortúnio alheio. Contou pros amigos, familiares e pro médico de branco. Especialista em sensibilidade, pediu atenção. Passou pomada e exercícios localizados. Besuntado, puxado e exigido, melhorou. Piorou de novo e, de tão podre, perdeu as forças. Foi arrancado em seguida.

Recado

Fez o que não gosta que façam. Silêncio. Sepulcral, magoou Lorena. Queria satisfação. Resposta positiva pros anseios. Perguntou de novo. Insistiu. Brigou só, chiou e mandou recado. Já esteve do outro lado. Angustiado, deprimido. Suplicava atenção. Agora mudou. É cobiçado. Como não gosta, desdenha. Explica calado. Poderia falar amenidades, fingir interesse e dar esperanças. Passou um dia. Dois, três. Dúvidas acumuladas. A moça, sem confirmação oficial do descaso, abandonou o orgulho. Pra ter razões. De preferência, boas notícias. Impossibilidade real. Um imprevisto que justificasse o mutismo repentino. O rapaz, indisposto, pensou no assunto. No que seria caso dissesse. No futuro compartilhado, mentiras e desculpas pra não ver. Até cansar. Das opções, prefere essa. Deixa quieto e sente pelo transtorno.

Palácio

O fato histórico fez aniversário de novo. Dia 20 do mês passado. Na época, pessoas reunidas em prol de um ideal suplantaram as defensoras do raciocínio inverso. Os oprimidos tomaram o palácio das orquídeas. Antes de partirem pra ignorância, sofriam em silêncio. Suportavam maus tratos. A falta de consideração e respeito cresceu tanto que reagiram. Primeiro avisaram. Disseram que não podia continuar do jeito que vinha sendo. Ultrapassado o limite da tolerância, organizaram grupos de combate. Quem quis, participou. Os mais corajosos assumiram os riscos. Destruíram o salão de festas e queimaram as carruagens. Até então, o Rei tava tranquilo. Mandou a cavalaria resolver o problema. Homens que, armados e orientados, não pensavam duas vezes. Briga daqui, briga dali, mortes e feridas. Naquele ano, caiu segunda-feira. Regime novo.

Palito

O fogão na sala parece móvel. Parado. Não cozinha faz tempo. O novo, inteiro, assumiu a função quando chegou. Possuem a mesma quantidade de bocas que emitem chamas controláveis. No velho, duas estragaram. Também parou de assar direito. O peixe, comprado na feira, virou fritura. Enferrujou por dentro e teve escapamento de gás. Um dia, arrancaram a mangueira. Tiraram do lugar e deixaram entre a televisão e a porta. Por conta do tampo, serve de apoio pra miudezas. Carteiras, óculos, telefones e chaves. Não gosta. Puto com a serventia atual, quer vingança. Precisa de combustão. De uma faísca que ajude a explodir o vidro e incendiar os papéis.