Acordo

Sandra fez confusão. Chamou vaidade de amor próprio. Egoísmo de orgulho e afeição, ainda pulsante, de história. A cabeça não tava boa. Hélio chorou. Tentou impedir, apelou e recuou. Ele, que superou porres, distúrbios e espécies assexuadas de traição, prosseguiu firme, fiel ao acordo que tinham. Insistiu pra que não quebrasse a palavra. Ficou de cama. Indisposto, desiludido e só. Mais magro. Doeu porque pensou que era fora do comum, que seria pra sempre e que havia sinceridade nas declarações que ouvia. Foi ingênuo. Achou que a reciprocidade e cumplicidade prometidas seriam exercidas. Que, sendo verdadeiro, não acabaria. É igual aos outros. Quer que reparem na vida que leva. No café que toma, na quantidade de açúcar e na temperatura da água. No jeito que corta laranja. Alguém preocupado com a demora. Com eventuais espirros e topadas. Agora tá melhor. Ganhou peso e, de dia, conheceu Flávia. Flores novas.

Éter

O frango, o porco, o peixe e o boi, organizados, trancaram a porta. Fizeram o cachorro de refém. O homem arrombou. A ave e o suíno, atentos, agiram rápido. Um pulou na cabeça e o outro passou um pano com éter no nariz do invasor. Coube ao escamoso amarrar Alex. O bovino, paciente, esperou que acordasse. Deu um tapa na cara e explicou. Mandou o animal de estimação parar de latir. Disse que, pra quem não é comida, a vida é fácil. Cortaram os braços e botaram na brasa. Jogaram sal grosso. Cheios de fome, terminaram de esquartejar e assaram todas as peças. A tainha comeu a bunda.

Estrago

Pisou no cocô humano. Entrou no carro e, de imediato, repreendeu o carona. Achou que tinha soltado gases pelo ânus com as janelas fechadas. A acusação foi refutada. Pressionados pelo forte odor, elencaram possibilidades. Olhou embaixo do pé direito, comemorou a ausência de fezes e conferiu a sola do esquerdo. Tava ali. Na embreagem e no estofado. Saíram do automóvel. Tirou o grosso e voltou em casa pra buscar produtos de limpeza. Começou pelo tênis. Escovou o pedal e perfumou o interior do veículo. Não foi suficiente. Como precisavam ir, encararam. Pensou no autor. Em como estaria pra, numa evacuada, causar tanto estrago. Pegaram engarrafamento. Mais de três horas. Dirigiu atordoado. O amigo, com a camisa por cima do nariz, estilo ninja, tentou dormir. Chegaram na merda.

Reforço

Virou bicho quando, na sala de injeções, foi agarrado pelas patas. Mostrou os dentes. Reagiu mal à aproximação da seringa. Dócil, ficou agressivo. Partiu pro ataque. Arranhou, gritou e se debateu. Xingou todo mundo. A equipe médica, responsável pela vacinação do animal, pediu reforço. Mãos na cabeça e no peito. Controle total. Enfiou a agulha até o talo, empurrou o êmbolo e acompanhou a inserção gradual do líquido teoricamente benéfico. Terminaram o trabalho. Trocaram cumprimentos e ordenaram a entrada do próximo. Foi embora em silêncio.