Barulho

Fabiano dorme na rua. Na porta da loja. Coberto com pano velho e sujo, com fome, pede ajuda pra quem passa. Cheira mal em demasia. Dos bueiros, de madrugada, roedores brotam. Convivem. Observa a busca por comida e bebida. Cochilava quando Pedro e Ricardo apareceram bem vestidos e perfumados. Despertou com o movimento. O barulho dos ratos que, assustados, voltaram pro esgoto, foram sucedidos pelos comentários dos pedestres. Compararam o ambiente ao da cidade natal de Bruce Wayne. O mendigo, que ouviu, gritou. Confirmou a grandiosidade da imundície. Na volta, usaram a paralela.

Jardim

Cercado pelo verde do jardim florido, bem de saúde, amanheceu. Amante do lado. Comida em cima do pano e tempo aberto. Transaram de novo. Sem pressa. Escreveu, no coração desenhado na árvore, Diana e Douglas. Passaram o dia deslumbrados. Ninguém viu porque, nas redondezas, não tinha ninguém. Nuvem solitária de formato engraçado. Entre gracejos, carinho. Desdobramentos. Sorriso destravado, beijo encaixado e harmonia. Corriam atrás um do outro. No frio agradável, de tarde da noite, coberta pra dois. Entrelaçados.

Tamanho

Não podia errar em agosto. Chegou nervosa. Comprou bala, passou no banheiro e subiu. No andar de cima, tensa, viu o potencial algoz. Tinha cor, tamanho e fisionomia. Conversava em grupo. Entrou na sala e, a tempo, finalizou os preparativos. Deu a hora. Já de cara, fez diferente do que deveria ter feito. Pequeno deslize. Curto e grosso, mandou parar. Mostrou o certo de má vontade. O crescimento da insegurança, diretamente proporcional à aproximação da parte mais difícil, levou Tânia ao desespero. Vacilou feio. Veio Mário. Chamou de idiota, burra e imbecil. Tola e toupeira. Em outra época, mais tranquilo, toleraria.

Fileira

Depois da morte, foram pro enterro. Fecharam a caixa de madeira. Botaram no buraco, esperaram um pouco e tacaram areia por cima. Amigos e familiares, tristes, acompanharam. Foi de tarde, com sol e céu azul. O filho chegou atrasado. Tarde da noite. Cemitério fechado. Inconformado, pulou o muro e caiu perto da cova de um desconhecido. Ligou a lanterna. Leu, numa das lápides, o nome do pai. Coincidência. Continuou até que, na segunda fileira, achou o túmulo da mãe. Deixou o bilhete embaixo das flores. Pedia desculpas pela ausência.

Calçada

O niterói se ofereceu. De porta aberta, na frente de Otávio. Vazio. O rapaz, que tinha acabado de chegar, não quis pegar. Passou a noite em claro. Ciente de que é mais um que pensa o que ninguém mais pensa, concluiu, no íntimo, que Raíssa é o mundo. Que a vida, no fim, é o que acaba acontecendo. Sequência de possibilidades concretizadas. Viu, na calçada oposta, esperança. Gozo, riso e choro. O que presta. Com muita vontade, mijou na rua mesmo. Escondido. Condenou a atitude. Acredita que isso, de fato, prejudica o meio ambiente. Abotoou as calças e foi pro ponto. Esperou e esperou. Entrou no guadalupe.