Plano

Saiu dos pulmões e passou pela garganta antes de ser detectado pelo aparelho criado para identificar infratores. Por pouco não escapou. O emissor da substância, obrigado a respirar pela boca, vinha em baixa velocidade e mantinha as mãos no volante. O plano era jantar com a esposa e buscar a sobrinha logo em seguida. Restaurante chique, uma taça de vinho pra cada um. Fecharam a conta e deixaram o estabelecimento civilizadamente. Parou no sinal fechado, abriu passagem pro motorista metido a piloto e ligou a seta pra mudar de faixa. Depois caiu na fila de carros que começava em frente ao clube de dança. Amparados por força maior, dois homens armados fizeram o mesmo sinal. Teve que descer. Mesmo contrariado, contou como vinha sendo a noite e esbanjou argumentos favoráveis ao não cumprimento das ordens. Fim de papo. A menina, toda arrumada pra festa, ficou em casa.

Quadrinhos

Dado o pontapé inicial, só tem certeza do fim. A conjuntura é a seguinte: câmeras ligadas. Precisa fazer alguma coisa enquanto pensa. Deixou a criança engatinhando pela casa. Pra não ficar chato, pediu pro menino bater a cabeça de vez em quando e fazer outras gracinhas do gênero. Precisa adiantar o processo. Dividiu em tópicos: jeito de falar, estilo de roupa, gosto musical, profissão e lazer. Incluiria os demais ao longo do percurso. Quando se deu conta, Tiago tinha voz grave e usava camisas coloridas. Gostava dos sucessos que tocavam na rádio e de esportes em geral. Criatividade em baixa, botou o moleque pra estudar. Todo mundo vendo tudo. Próximo passo: aulas de natação, ginástica, inglês e violão. Graças ao roteirista, tomou gosto por quadrinhos. Isso aos 30, 31. De repente empacou. São muitas alternativas e idéias vagas. De qualquer forma, o protagonista continua em cena. Também existem as comidas típicas, jogos de tabuleiro e o que mais aparecer de bom.

Susto

Foi na rua e trouxe meia dúzia. No susto, jogou tudo no pote de remédios. Não conseguia mais distinguir um comprimido do outro. Como eram poucos em relação aos demais, seis de 50, tentava a sorte a qualquer hora do dia. O primeiro causou efeito comum aos estritamente medicinais. Segundo, terceiro, quarto. Começou a consumir mais rápido do que devia. Mais 12 e passaram a ser 34 pra cinco, depois 23 pra quatro e por aí vai. Como a probabilidade de pegar um premiado cresceu consideravelmente, ficou com medo de continuar no mesmo ritmo. Tinha compromissos profissionais, encontros casuais e um futebol no fim de semana. Não resistiu e partiu pra roleta russa de novo. Nem se lembra direito como foi. Três pra um. Dois. Lado a lado na palma da mão. Pra não ter erro, incluiu ambos no mesmo gole.

Letra

Escutou a música com atenção quase exclusiva na letra. Bem pensadas, as palavras caiam tão bem na melodia que parou de se movimentar aleatoriamente. O pessoal nem reparou. Dançavam distraídos a ponto de ignorar a evolução espiritual de uma pessoa confusa que aos poucos fica mais tranqüila e contente. Estavam interessados no ritmo. Poucos amigos por perto, continuou focado. Terminadas as primeiras estrofes, os músicos começaram o instrumental pra preparar a chegada do refrão. Um gole de qualquer coisa e se ajeitou pra cantar junto a única parte que sabia de cor. Se todos estivessem em silêncio, ouviriam facilmente a voz dispensável. Acompanhou o dedilhado final até os últimos acordes. A composição seguinte, em inglês, causou outro tipo de impacto.