Corrente

Acordou preso. Nada de corda. Nem algema, nem cadeado nem corrente. O corpo, livre e saudável, podia ir e vir. A mente que não deixava. Condicionou a liberdade à construção de algo extraordinário. Algo tão comovente que justificasse a alforria. Chave na porta. Trancada. Pra sair, algo brilhante. Diferente. O que fez não serviu. Precisava de mais. Insistiu e, num esforço descomunal, cavou um buraco. Fantástico. Gostou tanto que foi liberado.

Metade

Com inveja do mendigo, que dormia de tarde, voltou do almoço. Prato pra um. Comeu metade e levou a sobra. Outro cara, acordado, pediu. Negou e andou. Chegou atrasada. Ainda com sono, trabalhou, compensou o quarto de hora e foi embora. Na saída, na rua, família inteira. Miséria. Jantou a quentinha.

Igreja

Sem toalha, pulou pelado. Tinha hora. Repetiu a roupa e, a passos largos, andou na rua. Fez sinal. Sempre faz. A igreja, das antigas, ficou pra trás. Mercado, farmácia e posto. Padaria. Seguiu em alta velocidade média até chegar no mecânico. Pediu informação. Orientado a pedir ajuda, parou na esquina. Disseram que a praça tava perto. Depois da curva. Chegou e viu, no banco, a caixa. Deu tempo.

Papo

A mulher, quando viu a outra, não imaginava. Experiência nova. Era apaixonada por Vitor. Sofreu, separou e sofreu. Achou que era pra sempre. Desencantada, contou pra Bianca. Papo de amiga. Mudou. Olhares, toques e harmonia. Tesão. Primeiro beijo. Primeira vez. Com o tempo, amor. Do mesmo jeito. Imenso.

Síntese

Decretou, pra si, o fim dos títulos. Parou de usar. Solidário a combinações inteligíveis de letras, respeita o poder de síntese de uma palavra só. Não sobrecarrega. Evita que, isolada lá em cima, fique mal. Também não gosta de frases inteiras. Não assim. É contra a exploração de vocábulos pra dar ideia do conteúdo adiante. Sem denominação, sem índice e sem prefácio, impede conclusões precipitadas. Conta a história. Ponto final pra acabar.