Fraqueza

Mais animado que de costume, saiu de casa com sorrisos nos lábios e a idéia fixa de se manter para cima até a hora de dormir. Brincou com os cachorros, tomou café da manhã na rua e, desafinado, entoou canções não aprovadas pelos ouvintes. Uma resposta seca aqui, uma mesmice ali e o plano dava os primeiros sinais de fraqueza. Ao meio-dia já precisava forçar a barra para evitar que os pensamentos de sempre tomassem conta. A tarde, longa e nem tão estressante assim, parecia feita sob medida para um início de noite barulhento e composto por ocorrências não recomendadas aos que lutam pela manutenção da leveza de espírito. Chegou em casa um bagaço. Trocou de roupa, descansou um pouco e buscou alternativas para não deixar a peteca cair de vez. Saiu de cara amarrada imaginando como seria bom alcançar novamente o astral da manhã. O raciocínio, similar ao de quem se machuca e esquece como é estar cem por cento, foi substituído pela distração proporcionada por atividades com alto grau de entretenimento. Perdeu contato com a realidade convencional até a hora de dormir.

Teatro

Alheios ao mundo moderno devido ao apego que tinham pelo passado remoto, foram ao teatro. Ronaldo vestiu-se de pedreiro, Cícero de carpinteiro e Jonas de atleta. De casa em casa, pediam donativos para consumo próprio, apesar de abastados e conhecidos do público em geral. O desespero bateu em todos os que não entediam e, incomodados com o acúmulo de indagações cadastradas no inconsciente coletivo, insistiam por pura teimosia. Saíram como entraram. Os protagonistas também. Amigos de longa data, encontraram-se mais tarde no quintal de Jonas, equipado com diferentes portadores de frutos e vegetais. Enquanto discutiam o evento, entreolharam-se para, em seguida, emudecerem. Remoem juntos e carregam o peso até hoje. A temporada abandonada, se submetida a eficientes técnicas de personificação, aguardaria os próximos capítulos com más intenções.

Peixes I

Assim que viu, pensou: xiiii! Diferentes tipos de peixes nadavam contra a correnteza em pleno verão. Para não ficar pra trás e dar o braço a torcer, decidiu perseguir os tambaquis e dourados com disposição semelhante à de quem entra em um vulcão na hora errada. Pulou na água fria e disparou. Menos adaptado ao mundo marinho, assistiu ao constante distanciamento dos escamosos enquanto era atacado por elevações provocadas pela maré. Ficou pra trás, cansado e já não enxergava partes de corpo humano na longínqua areia da praia. Hora de recuar. As corujas e tartarugas assistiam animadas ao inútil esforço do sujeito, que ia e voltava de acordo com o fluxo imposto pelo líquido salgado. O pânico, diretamente proporcional à violência das ondas e ao escurecimento da atmosfera, fez o banhista prosseguir na luta para sentir o solo abaixo dos pés.

Fila

Preso pelo pé e prestes a afundar mais um desconhecido, o martelo sabe que Arnaldo é o próximo da fila. O inocente assassino, comumente afetado por fortes dores de cabeça, tenta a todo custo escapulir da mão suja a tempo de evitar o golpe fatal. Um pouco mais para a direita, para a esquerda e uma pancada de raspão. Na quarta não teve jeito. A amizade começou quando saíram do estoque direto para a caixa de ferramentas. Comumente acionado para trabalhos externos, o utensílio de ferro com cabo de madeira omitia o inevitável destino para não piorar o astral do garoto, afetado pela vontade incessante de passear. Puxava conversas superficiais, montava quebra-cabeças e lia histórias em quadrinhos. Criava situações engraçadas e tomava refrigerante. O último encontro foi embaraçoso.