Volta

Morreu no sol quente. Tava doente, piorou e, mal atendida, sucumbiu. Enterraram de tarde. Calor, concreto e flores. Não tinha vento. Queriam sombra. Queriam água. Suados, lamentavam. Lágrimas misturadas. Se pudessem, ressuscitariam Luiza e iriam pra piscina. Ficariam felizes. A teriam de volta e fariam graça. Brincariam de apneia. Imersos no ambiente inóspito, naquele clima, acompanharam o processo. Afundaram o corpo e taparam o buraco. Quem foi pra casa, abriu a janela. Angústia e cansaço. Banho frio. Ventilador no máximo.

Alho

A kafta, comida, caiu bem. Comprou outra. Botou molho de alho, pimenta e mordeu. Deu um gole na bebida. Por intermédio do atendente, elogiou a cozinha. Disse que voltaria. Depois, entre a tarde e a noite, contou pra um casal de amigos e pra namorada. Defendeu a tese de que uma visita grupal ao estabelecimento seria uma boa. Falou no tempero. Tomate, cebola e pimentão. Deixaram a data em aberto. Um dia, passaram perto e, com fome, entraram. Foram simpáticos. Cumprimentaram recepcionistas, garçons e clientes da mesa ao lado. Pedidos iguais. Cilindros de carne moída e suco de abacaxi. Gelo à parte.

Arame

Tinha esquecido como era. Energizado, tranquilo. Tomou banho sem calça e descalço. Agora, sentado num banco vermelho, ouve o impacto da chuva no telhado de alumínio. Olha pro pedaço disponível do céu. Lâmpada vermelha, não pertencente a um prostíbulo, acesa num terraço. Nuvens camufladas num quase breu. Pelo vão comprido, achatado e ocupado por elipses de arame farpado, vê aparelhos de ar condicionado. Escuta pingos espaçados. Cadência calma. De olho fechado, parece até beira de rio. Correnteza que passa pelo cano de PVC.

Sabor

Não caiu nenhuma lágrima. Tá acostumada, calejada. Quando é assim, espera. Tempo que cura. Não importa. Não adianta bater a cabeça na parede chapiscada. O que tem pra dizer, pensa. Não divide. Tem vontade e tem medo. Melhor não. Esperança que guarda. De um amor bom, completo. Descomplicado e desimpedido. Mais felicidade e sorrisos. Menos tristeza. Menos angústia. Menos desgosto e mais sabor. Alegria, cristalina, a perder de vista. Porção generosa de paz. Mais paixão. Mais emoção. Ternura, cumplicidade e equilíbrio. Tudo isso junto. Num lugar perfeito, com a companhia perfeita e confetes. Morango e chocolate.