Sala

O filho, de um babaca com uma escrota, nasceu e vai crescer. Vai conversar com os outros. Sujeito à transmissão contínua de ideias ruins, tem tudo pra dar errado. Pra ser um bisonho que só anda com bizarro pra fazer merda. Tem dias de vida. Sem saber quem está na sala, dorme. Não entende nada. Se, já no hospital, tivesse sido trocado, seria ótimo. Pra ele. Pra espécie, daria no mesmo. Só mudaria o bebê.

Farmácia

No caminho, passou pela pracinha e pelo campo. Padaria. Até o hospital, que tratou mal do avô, ficou pra trás. Passou pelo primeiro beijo, pelo primeiro beijo que agradou e por decepções. Onde não tinha nada, farmácia. O mercado igual, a igreja igual e a casa, antiga, derrubada. Passou pelas brigas, pelo medo e pela bronca. Pelas flores. Absorvido, passou pelo pranto. Pelo esforço. Rede, raquete e trave no meio da rua. Passou pelo trauma. Pelo aplauso e pela escada. Euforia. De tênis e meia, passou pelo amor que não acaba. Que não muda.

Raiva

Tudo que escreve é lixo. Não presta. É tão ruim que dá raiva. Tempo que não volta. O texto chulo, desnecessário, cai mal. Leitores pedem misericórdia. Suplicam pra que tenham os olhos poupados de sequências tão infelizes de palavras. De ideias tão bobas. Se pudessem, evitariam. Não passariam nem perto. Fazem fila por obrigação. O primeiro, pelo menos, se livra logo. Os demais ficam apreensivos. Sofrem. Torcem pra que algo inesperado interrompa o processo de tortura em massa. No último, de doer, manteve o estilo.

Metade

Atrasado, bateu a primeira punheta aos 23. Tirou carteira aos 28, título aos 29 e fez sexo a dois aos 36. Tá com 72. Filho, filha e divórcio. Casou com 57. Até morrer, com calma, vive. Conheceu o mar aos 21. A barba, rala, apareceu aos 44. Nasceu com órgãos pela metade. Ficou inteiro aos 11 e, com 27, aprendeu a ler. Andou com 15, falou com 18 e assoviou aos 39. Com 70, tirou a boia do braço. Foi sozinho pro fundo.