Voz

Impelido à existência, apareceu em prantos. Não fazia idéia. Do planeta, reino ou espécie. Da hora e do clima. Sujeito ao que fosse, desnorteado, brotou no ecossistema. Não sabia do tamanho e do peso. Nem da cor, sexo ou origem. Podia ser invertebrado, planta ou pássaro. Depois viu que era humano. Entendeu que pensava e, por isso, conferiu superioridade. Descobriu de onde era e conheceu a família. Tom de voz, cabelo e quantidade de dedos. Desenho do rosto. O tipo sanguíneo, AB, e hormônios predominantes. Não virou gente boa. De propriedades inatas, carrega um pacote. Deprecia o do próximo.

Chave

Adilson passou de fase. Matou o gorila de três metros, pegou a chave e entrou na caverna. Ganhou pontos. A próxima, mais difícil, leva pra última. Uma vida só. Duas moedas, uma pistola e um lança-chamas. Começou com a roupa do corpo. Abateu a cabra de três patas e, como recompensa, tomou posse do estilingue. Atirou no morcego de três quilos. Novo prêmio. Chegou a ter metralhadoras, granadas e armadura. Perdeu no mestre da quinta. O pato, de três bicos, cuspia fogo, ácido e vidro moído. Teve que subir na escada com a bigorna de prata. Do topo, mirou e largou. Deserto, selva, cidade, campo e céu. Tempo ameno. Chuva torrencial na neve. Luva e gorro, no sol quente, contra os bárbaros de três cabeças. Bebeu água na nascente do lago. Pra superar a enguia de três olhos, usou estratégia. Saltos, cambalhotas e ataques repentinos. O chefe final, ainda distante, fez Catarina de refém. Cavou buracos pra plantar o mal. Separou armas, acionou capangas e preparou armadilhas. Tem três estômagos.

Tática

Se afasta quando vem gente. No carnaval, quer, sóbrio, conquistar alguém sóbrio. Flagrou a observadora. Enquanto olhava, lembrava do que era. Tá velha. Parecia triste de ver que, com o tempo, envelheceriam. Circunstâncias. É você e você mesmo. Não se engane. Como na mágica, música. Não quer outra. Tática de roçar. Abismado, reparou. Ficou pra baixo. Em algum momento, todas percebem. Conhecem bem. O beijo insosso, forçado, que não tem graça. Devia ter esquecido. Pra equilibrar, afrouxa o passo. Chapéu no chão. Assunto. Tantas qualidades que, de repente, encantamento. Esperança com apreensão.

Córrego

Os caubóis que escrevem cartas, no geral, são românticos. Terminam com data, hora e autoria. Têm inspirações. A de Arlindo acorda cedo e passa distraída pelo córrego. Não sabe que o boiadeiro, sentado à margem, é o responsável. Entrega às escondidas. Roberto é extrovertido. Dá as caras, canta e faz desenhos. De corações que se completam. Sidnei, do contra, fala de outro assunto. É um dos poucos. Os demais, fiéis à fama, exprimem afeto nos papéis que distribuem. Acreditam que há ternura. Destinatários de correspondências, Alex e Cátia ficaram tão emocionados que investigaram. Descobriram, agradeceram e, interessados, compraram botas e chapéus. Na beira do rio, participam. Transmitem mensagens de amor.