Contato

A chance boa, que apareceu de repente, perdeu. Veio outra. Pequena. Na quarta, cedo, achou uma frase: tenho pensado em você. Grudenta demais. Dá margem a interpretações não favoráveis ao desfecho positivo. Soou mal no ouvido de Ângela. Adepta de diferentes tipos de abordagem e visual, ficou quieta. Não quis mentir nem dizer a verdade. Escapou. A esperança infundada, viva por engano, nasceu quando a morena linda sorriu amarelo. Tiago entendeu errado. Usou o nome, descobriu a profissão e definiu o texto do início. Fez contato.

Batalha

A briga de espadas, ocorrida em terreno plano, resultou na mutilação e morte de muitos homens. Só os intactos se deram melhor que os levemente feridos. A luta franca, sangrenta, ficou marcada pelo vacilo de Euclides. O guerreiro saiu a pé com a roupa típica de quem participa de conflitos assim. No caminho, mentalizou trechos de canções ultrapassadas. Chegou, observou o andamento da batalha e virou as costas. Voltou direto pra casa. A esposa, submissa e preocupada, cozinhava. Os colegas detectaram a recaída durante a conversa informal que tiveram. Quem tava lá sabe, não tem como.

Faca

O tomate, puro, chegou cortado na salada. Parou em cima da alface e, de imediato, tomou um banho de azeite, sal e vinagre. Isso mais quatro palmitos e uma cebola. Vivia triste. Na semana da morte, catado pela mão suja de um trabalhador rural, imaginou que se daria bem. Escapou da mesmice e apareceu num saco cheio de contemporâneos. Felizes, brincavam e cantavam pagode. Lembrou com carinho da planta à qual esteve preso. Ainda refletia quando, desleixadamente, jogaram todos pra fora. Um velho maduro, quase podre, bateu na quina e furou no meio. O líquido que escorreu caiu na pele de Artur. Batizado pelo pai, o alimento confundido com legume foi lavado antes de entrar na faca.

Terceiro

Cansou em dois dias e apelou pras drogas no terceiro. Ia apertar um, mas, por falta de tempo, fumou a ponta que ficou em cima da mesa. Acendeu, puxou e prendeu a fumaça que soltou em seguida. A substância, natural e psicotrópica, caiu bem na cabeça de Aloísio. Chegou na boa, passou sem reclamar e socializou até com desafetos não declarados. Repetiu a dose no quarto. No quinto, aumentou. Melhor ainda. Mais alegria que tristeza. Ninguém, entre os que mal conhecem a planta, desconfia. Repararam que mudou. Tá tranquilão, parou de reclamar, tá cheiroso. Comendo que nem um bicho. Os que gostam, têm quase certeza. Jogam verde na ânsia de confirmar.

Maxilar

Não corta pedaço porque é detalhista. Conta: com os olhos de um profeta, viu que, num futuro próximo, o prato estaria vazio. Imaginou as últimas investidas, já com a comida no fim. Enfiou a colher na massa homogênea. Capturou uma pequena porção, levou à boca, fechou e puxou o utensílio pra fora. Subiu e desceu o maxilar repetidas vezes até engolir. Se o narrador fosse outro, pularia essa parte.

Quintal

Fez a pergunta interessado na resposta. É o único alimento oferecido pro animal doméstico, que tem a orelha e o rabo cortados. Ficou quieto. Contrariado, voltou pra casa pensando num jeito de salvar o bicho. A situação do mamífero, acostumado com a rotina, podia ser melhor. Comia, bebia e descansava num quintal espaçoso. Recebia carinho dos adultos e das crianças que habitavam o local. Só que Getúlio, nutricionista, reprova a ingestão contínua de ração do mesmo tipo e fabricante. Anderson ignora. Submetido à dieta descrita, o mortal de raça misturada esvazia a cumbuca sem raciocinar. Pra acompanhar, água na temperatura ambiente. Não conhece o gosto das outras coisas. Comprou um produto da concorrência e deu de presente pro amigo dar pro cachorro. Marinho, avesso a conselhos, guardou o pacote no armário.

Nariz

Botou o ovo mole no arroz e parou pra comer. Meio amargo, esquisito, anda calado. Os motivos impedem que a tranquilidade total seja corriqueira na vida de Elias. Podem ser mencionados. A casa, próxima da rua principal, foi construída na área que ocupa. O cachorro late quando alguém passa. De repente chorou de um jeito estranho, pela metade. Depois, diante do espelho quadrado, tirou a camisa e olhou pra frente com calma. Ajeitou o cabelo, a postura e, de pé, encarou a imagem refletida. Os principais retoques, no rosto, seriam pra renovar. Também acertaria o tronco e os membros. Durante a observação, teve uma hora que se aproximou de si mesmo. Encostou nariz com nariz, insistiu um pouco e se afastou.

Fogo

Trancada numa sala com 12 bombeiros, falou sério. Jogou pouca conversa fora. As brincadeiras, evitadas por conta das circunstâncias, ocuparam no máximo um quinto do período. Tinha muita coisa pra fazer. Apesar do cansaço proveniente do esforço físico e mental, distraiu os adultos com idade entre 26 e 38 anos. Alguns deixaram a desejar. O careca e o sujeito que olhava de longe, mais coroa, têm problemas. Não executaram com êxito as atividades às quais foram submetidos. É normal. De um grupo de doze, dois. Dezesseis por cento. No momento mais difícil, compreendeu a situação dos profissionais responsáveis pelo controle do fogo. Dormiram juntos. Fernanda, pra não deixar virar moda, interrompeu o processo em andamento. Sugeriu que levantassem e voltassem com outra cabeça. No último dia, ganhou um beijo e um abraço apertado.

Estilete

As feiticeiras de Albuquerque, região afastada da fronteira, chamam adultos pelo nome. Catam migalhas pra comer no trem fantasma. Algumas, com faca ou estilete, cortam os pulsos de raiva da vida. Mas não morrem. São bruxas macabras que vivem pra sempre, a não ser que sofram de uma doença específica. As jovens, menos letradas, torcem pelo crescimento de plantas que não fazem efeito. Quando brigam entre si, são punidas pela coordenadora e acabam isoladas em ambientes desprovidos de caldeirão. Nenhum pote de especiarias pra misturar numa mandinga qualquer. Arlete e Tânia, quando soltas, cumpriram a promessa. Levaram o que deviam e atingiram o topo da montanha. Uma frase infeliz, pronunciada durante o período marcante, ficou. Começa com a e termina com você. Possui mais letras que palavras e, no aspecto gramatical, é passível de análise.

Pendência

Vidrado na bunda da mulher que conquistou, pensa muito no sexo anal. Pena que ela não gosta. Sente dor e, pra evitar a sensação, só permite a penetração mais comum. Marcela é bonita e gostosa. Além disso, rebola com vontade e possui desenvoltura no oral que pratica. É quase perfeita pra Vinícius. Tem um papo cabeça, entende as coisas e ajuda como pode. Fica a pendência. A menina sabe o tamanho do desejo que realizaria caso enfrentasse, de costas, o órgão comumente comparado ao pepino. Reflete sobre o assunto, mas, apesar das constantes cantadas e insinuações, mantém a postura. Pra fazer uma concessão dessas, precisaria de uma ocasião especial, com bastante lubrificante e carinho. Faz aniversário semana que vem.

Cavidade

Com a mão na vagina, anda em casa e na rua. É automático. Bobeou, desce lá, ajeita a calcinha e dá uma coçada no buraco. Teve uma vez que partiu pra grosseria. Carol, Carlos e Carla, pegos de surpresa, ficaram abismados. Principalmente Carol, pouco tolerante a comportamentos do gênero. Disfarçadamente, comentou rápido, antes da menina voltar. O pessoal prestou atenção. Como previsto, Helena fez de novo. Na menos sutil das incursões, realizada enquanto falava, olhou pra baixo pra acertar no ponto. Ficou com fama de impulsiva e virou personagem de esquetes. Os amigos e amigas, preocupados, explicaram numa boa que pegava mal. Nem assim diminuiu a frequência. De unhas pintadas, os dedos visitam a cavidade toda hora.

Denise

Na falta de papel higiênico, limpou a bunda com papel toalha. A menina, fresca, não tinha muita opção. O chuveirinho tava sem água, ninguém na área pra ajudar e a calcinha, nova, era pequena demais. Apelou pro utensílio de cozinha utilizado no processo de fritura. A decisão foi rápida. Abriu o fecho éclair, pegou o produto com a mão e chegou um pouco pro lado pra conseguir passar direito. Gastou cinco exemplares. Se contarmos que dividiu cada um em quatro, foram 20 incursões à região entre nádegas. A descarga quebrada não reagiu ao aperto. Abriu um pouco a porta, reparou no movimento e, determinada, deixou o local. Andréia chegou sem saber de nada. Levantou a tampa, sofreu o impacto e saiu. Sobrou pra Denise.

Aposta

Depois de escolher o número entre trinta e três e trinta e cinco, rabiscou no papel. Depois, doze, vinte e cinquenta e seis. O penúltimo selecionado, maior que oito e menor que quinze, garantiu vaga na lista por causa do aniversário do filho. Pra completar meia-dúzia, só faltava um. Foi nessa hora que bateu o desespero entre os algarismos disponíveis. A probabilidade de realizar o sonho, a princípio, era igual pra todos. Tirando os cinco já marcados, restavam cinquenta e cinco. A agitação chegou ao extremo quando Cristiano passou o bico da caneta pertinho de alguns dos símbolos de quantidade. O dezenove e o onze, se pudessem, agarrariam a esferográfica e pintariam a si próprios com a tinta azul. Ficaram de fora. O quarenta e sete, primo, completou a aposta.

Instinto

Um depilador profissional, que conhece do riscado, indicou a cera comum, feita de açúcar com vinagre. Comprou os ingredientes. Quando chegou em casa, a esposa já tava no quarto. De pé, descalça. Além da calcinha, sutiã e batom vermelho na boca. Suzane queria ativar a libido do marido. Desmotivado faz tempo, Cícero gosta é de homem. Pelado, escondido da família e amigos, trai a mulher com o vizinho. Seguiu o instinto que reprimia. Mal casado e indeciso, transou com o cara e achou maneiro. Desde então enfrenta dificuldades pra comer a cônjuge. Diz que a foda é muito chata. Ou ela senta de frente ou de costas. Se não é isso, levantam juntos, deitam ou alternam a velocidade de penetração. Só fazem oral, vaginal e anal feminino.

Trama

Pra esquecer a dúvida recorrente, meteu uma fita no buraco do vídeo. Rebobinou. A trilha sonora de bom gosto atraiu tanto a atenção de Roni que, quando foi ver, já tinha perdido um pedaço. Voltou de novo. O começo do filme demorou a ser compreendido pelo rapaz desatento. Dentre as opções disponíveis, pensou na comida que vende lá embaixo, numa rua sujeita à travessia de pedestres. Pisada. Viajou pela primeira vez. Deu asas à imaginação e parou de encucar com as possibilidades. Botou rew e depois play. Na hora da primeira conversa, botou stop pra fazer um cigarro. Levantou da cama, acendeu a luz, pegou uma folha de papel fino e colocou a planta, já tratada, dentro. Executou o procedimento conhecido como apertar e acendeu. Por considerar esta a melhor atividade a ser realizada, acionou o longa outra vez. A trama agradou Roni. Baseada em fatos reais, mostra o sofrimento de um grupo de pessoas escondidas que vivem em silêncio.

Pingo

Um pingo de chuva caiu do céu e bateu no chão de terra. No caminho, sem saber pra onde ia, puxou assunto com o desconhecido ao lado. O papo teve quatro fases: apresentações, cumprimento, pergunta e silêncio. Meu nome é Charles. Prazer, Danilo. Aperto de mãos. Quer um? Morte. Da vida curta, foi a única história. Contaram cada detalhe quando passaram pelo purgatório. A câmera, instalada no teto da sala, captou o momento. Cabeças baixas, aflição e medo. Sentado na cadeira atrás da mesa, o senhor barbudo reprovou a postura tímida da dupla. Propôs um desafio: caso superassem, subiriam. Soprou o apito sagrado pra começar e acabar com a prova. Os espíritos, livres dos corpos e condenados pelo juiz, pairam no ar.

Fluxo

Anselmo pediu licença com educação. Gonçalves é maluco. Pensa e age de maneira não convencional. Desta vez foi tranqüilo: compreendeu a solicitação, demonstrou boa vontade e moveu o corpo pra direita. Um dia antes, de frente pro espelho, tirou meleca com o dedo médio. Falou sozinho sobre a chuva. A intensidade depende do tamanho e da pressa de cada pingo, que, incapaz de mudar de trajetória, segue o fluxo. Viu um carro parado na rua, rente à calçada. Disse que Jó e Abraão, homônimos de exemplos bíblicos de fé, sentaram nos bancos do volante e do carona, respectivamente. O motorista acertou o jogo, saiu da vaga e pisou no acelerador. Passou a segunda e, de maneira seqüencial, chegou na quinta. Isso em linha reta, direção contrária à parede de concreto. Desviou após reduzir a marcha e manteve o controle do veículo até estacionar de novo.

Sozinho

Diego almoça sozinho. O pessoal estranha, mas, como ninguém faz questão da companhia, pararam até de convidar. Na primeira vez, disse que tava sem fome e que iria depois. Na segunda, com um discurso pouco convincente, falou que tinha um problema pra resolver e que só dava tempo de fazer um lanche ali por perto. Tudo bem, que seja assim. Tá bom pra todo mundo. O cara, à vontade, fica na dele e vai pra onde quer. Os outros, livres da presença, interagem da maneira esperada. É o encaixe ideal entre as personalidades do grupo e do indivíduo isolado. Na semana passada, durante o período destinado à refeição principal, se encontraram no meio da rua. A galera vinha do restaurante de sempre. Diego, suado, saía de um prédio comercial onde funcionam, em andares distintos, um puteiro e uma pensão.

Duelo

A luta do preto com o branco, por razões naturais, deixou o organismo confuso. A agitação provocada por um vai de encontro ao relaxamento proporcionado pelo oponente. O preto é mais tranquilidade, reflexão. O branco não. É euforia, empolgação. Fica difícil escolher. Tudo junto, ao mesmo tempo. Pilhado, o de todas as cores chegou de sola e tomou conta do combate até começar a apanhar também. Apresentou um jogo de pernas invejável, aplicou golpes certeiros e, de maneira infantil, falou mais do que devia. O descolorido, de pé, consciente, esperou o adversário cansar. Reagiu aos poucos. Acertou um soco na barriga, um chute na cabeça e equilibrou o duelo. O corpo é que ficou desnorteado, incapaz de tomar partido. Eliminou os dois.

Quente

O reino do príncipe bisonho, animado, ficou pronto pra festa. Isso porque o cavaleiro insano matou o dragão gigante. A vontade do herói, que saiu sozinho do castelo medieval rumo ao vale sombrio, era salvar e, se possível, comer a princesa querida. Chupa pirulito. Não só pelo sabor do doce, mas também pela imagem sexy que passa pros habitantes do condado. O público, aos poucos, chegou bem vestido no quintal enfeitado. Só faltou um adorno bonito pra janela quadrada. O responsável pela decoração da parede, sujeito simples, teve que tirar o tênis e andar descalço no chão quente.

Sódio

Em crise renal provocada pelo consumo excessivo de cloreto de sódio, curvou o tronco com a mão direita apoiada na cintura. Fez cara feia e sofreu quieto. Quando a dor passou, esticou o corpo e respirou o ar disponível. Precisava tanto sair de casa que saiu assim mesmo. Presenciou a cena: um passarinho, de pena azul e bico preto, voou em direção à parede, não desviou e bateu de cabeça. Apagou na hora. A mulher boa, que também viu a colisão, caminhou até o local e pegou o bicho pra cuidar. Levou numa clínica especializada. Bem recebida, deixou a vítima aos cuidados do médico e aproveitou pra ir na loja do lado. Descobriu o preço do que queria, andou de carro e comeu num restaurante. No dia seguinte, quase certa da resposta, ligou pra ter notícias.

Figura

De frente pra TV que exibia um programa ruim, pegou a nota de dois e leu o nome do bicho desenhado no verso. Tartaruga marinha. Na figura, selecionada por profissionais do ramo, aparecem quatro representantes da espécie: a mãe e três filhotes. Ficou preocupado porque nadavam em direções diferentes. Caso permaneçam fiéis à diagonal proposta pela imagem, os jovens vão se perder da progenitora, que, com semblante fechado, segue o próprio caminho. Mas pode ser outra coisa. De repente é só uma tartaruga grande que passa perto das pequenas no instante retratado. Sem parentesco. Imaginou os jovens abandonados num ponto qualquer do oceano. O lugar que ocupariam no espaço, variável de acordo com o peso, altura e movimentação de cada um, pouco importa quando ninguém se preocupa.

Intervalo

O padre, com tesão na mulher, ficou de pau duro. Sorte que ninguém notou. Preso no elástico da cueca, o instrumento subutilizado permaneceu de pé durante a primeira metade da missa. Intervalo. Entrou no quarto crente que resolveria o problema. O plano, de deixar amolecer e voltar logo, não funcionou. Até pediu ajuda ao Senhor, pensou nos fiéis, mas, no fim, caiu em tentação. Botou pra fora e começou devagar. Motivado pela lembrança da bunda, extrapolou o que viu e imaginou como seria. Fora de si, feito qualquer um prestes a gozar, foi pego em flagrante. Gilson é um sacerdote sério e cumpridor de metas. Fez cara de espanto antes de fechar a porta.

Taco

O pau na mão de quem bate na cabeça de quem apanha é importado. Extraída do meio ambiente, a matéria-prima saiu do Brasil num navio e, transformada em taco de beisebol, voltou de avião. Parou na casa do assassino. Apaixonado pelo esporte citado, já usou o bastão pra exterminar desafetos em quatro ocasiões. Dois homens e duas mulheres, uma velha e uma nova. A segunda morreu primeiro. Tomou a pancada no crânio assim que chegou do último encontro, feliz da vida. No caso da velha, agiu friamente: mediu a distância, traçou uma diagonal entre o olho e o canto da boca, executou o movimento e acertou na mosca.

Carne

A esfirra de carne, com tomate e cebola, também leva farinha. É feita em casa, por um animal vivíparo de quatro membros. Cuida bem do cabelo. Macio, o conjunto de pêlos que crescem na cabeça do humano em questão recebe aplicações diárias de xampu e condicionador. Jamais teve barba. Com a cara lisa, pouca barriga e nenhuma celulite, representa a espécie no planeta. Poderia inclusive ter o nome citado numa lista aleatória de substantivos. A de cozinheiros, por exemplo, menciona Vanessa. Quem provou dá opinião e quem nunca comeu imagina como deve ser. É um pastel de forno, de origem árabe, preparado de um jeito que agrada muita gente. A idade da moça não vem ao caso. Compositora e intérprete de receitas, é egoísta e tem pavio curto. Pensa na morte do pai. O velho branco, além de rico e magro, tá cheio de problemas no organismo. Atualmente é dono de restaurante.

Hábito

O responsável pelo discurso, como de hábito, falou muita merda. É sempre assim. Acerta a hora, combina o dia, chega e começa. Direcionadas ao público, as frases que compartilha são mal formuladas e expressam um ponto de vista insustentável. Tem gente que gosta. Os outros, pessoas esclarecidas, classificam a exposição de opiniões como extremamente desagradável. Os pobres ouvintes têm pouco dinheiro. Os demais, ou são ricos, ou representam a classe média. Elaine quer ir embora. Já cochichou, esticou os braços e pensou em diferentes assuntos. Como ninguém reclama e ainda recebe aplausos, o orador prossegue.

Sandra

Deixou a jibóia em algum lugar. Não precisa do animal agora, mas tá nervoso porque tá dentro de casa. Chegou com a cobra na mão, trocou de roupa e foi pra sala. Voltou no quarto crente que estaria lá. A convivência, de quatro a cinco semanas, tem sido tranqüila. Sandra é mansa, vive nua e rasteja, que nem as outras. São de espécies diferentes. No caso do homem, o pau fica duro quando enche de sangue. Edgar teve uma ereção espontânea. Nada a ver com a vontade de achar o bicho.

Beijo

Um beijo frio, morto antes de nascer, brotou vazio de ambos os lados. Aconteceu por conveniência, fruto do tédio experimentado pela dupla. Melhor não ter dado. O encontro das línguas, promovido de comum acordo, passou longe de provocar tesão mútuo a ponto de virar sexo. Foi bom no dia seguinte. Aproveitaram afastados e indiferentes. Maurício e Roberta ficaram a sós e ninguém reparou. Comentaram a situação, trocaram informações pessoais e pararam de falar. Prosseguiram calados até o rapaz sugerir o contato labial. Agora, depois de tudo, mantêm distância um do outro.

Plástico

Usa drogas pra combater o mal estar. Tomou a primeira de manhã, assim que acordou. Percebeu a melhora, ficou animado e adiantou a dose seguinte. Depois do almoço consumiu outra. Diferente das anteriores, vinha num frasco de plástico, cheio de comprimidos brancos com características semelhantes. Fez efeito rápido. Brincou sem camisa na varanda vazia, pulou pra cima e executou movimentos de tronco e membros. Na reta do vento, começou a sentir frio. Voltou pra dentro de casa e botou uma camisa preta com manga comprida. Sentou no sofá. Quando viu, a sensação provocada pela presença da substância no organismo já tinha passado. Precisa de mais.

Construção

Três vezes cinco, dezessete. Menos onze, quatro. Doze com nove vinte e oito. A insistência no tipo de raciocínio, proposital, criou uma barreira contra pensamentos diferentes. Não passou nada. Nem conta, nem filho e nem mulher. Ocupada pela construção de cálculos aleatórios com resultados imprecisos, a mente entrou no limbo esperado. Voltou inteiro. Bem humorado, saudável e disposto a assimilar idéias em geral. A cabeça vazia, cheia de vento, ficou pronta pra ser entupida. Contrai e relaxa.

Fruta

Presente no abacaxi africano, a substância não letal faz bem pra cabeça e mal pro coração. É quase irrelevante em ambos os aspectos, mas, se estudada com afinco, revela tais características. Quem comeu conhece o gosto da fruta cultivada por agricultores locais. Parece muito com o brasileiro, só que tem menos água e apodrece mais rápido. Esses dias trouxeram um aqui em casa. Minha mulher experimentou, achou docinho e ficou tão satisfeita que elogiou. Quando cheguei já tinha acabado.

Salada

Pelado na cozinha, escorregou no quiabo e caiu de bunda num legume roliço e alongado. Sorte que o pepino tava na horizontal. Pegou com a mão, lavou e cortou em rodelas. Próprio pra consumo imediato, o alimento cru fez parte da salada. Nada demais. Só contou pra todo mundo porque a queda, não premeditada, aconteceu de repente. Disse que chegou, botou as compras na mesa e tomou banho. Não sabe como o pepino foi parar no chão, perto do quiabo.

Lambuja

Disse pra mulher gostosa que, de primeira, aguentaria mais de cinco minutos. Falou com firmeza e esperou a reação. A jovem, que não levou fé, desafiou Maurício: ou consegue de fato ou atende a um pedido qualquer. Passou fácil pelo primeiro minuto. A moça, surpreendida pelo desempenho inesperado, começou a jogar contra. O rapaz pensou no passado. Conjecturou o futuro próximo e, de olhos fechados, mantinha o pensamento longe da atividade em andamento. Quatro minutos. Quis impressionar a incrédula e dobrou a velocidade na reta final. Gastou o fôlego todo, mas, com uns dez segundos de lambuja, cumpriu a palavra.

Cabeça

Eu mesmo, pra deixar claro, vou falar de mim. Sou estranho. Vou peidar agora, enquanto escrevo. Pronto. Também tiro meleca, mijo, cago e limpo. Durante diálogos, ou conversa com mais gente, gesticulo, faço comentários e mudo de expressão facial. Ajo e reajo de maneira singular. Preso na cabeça desenvolvida e influenciada do jeito que foi, considero as palavras sublinhadas, neste texto, desprezíveis.

Postura

De pé, botou a mão no chão com a perna esticada. Pela primeira vez. Comemorou muito porque, antes, quando mal passava do joelho, achava que não dava. Tentou até conseguir. Levantou peso, correu na esteira e acertou a postura. Interessado em viver preso a um corpo saudável, repetiu várias vezes os exercícios que conhecia. Agora tá bem. Não inveja pessoas fisicamente satisfeitas nem condena quem obedece a uma rotina diária de treinamentos. O projeto, de cunho particular, só vingou depois que tomou iniciativa.

Toalha

Entre penetrações, disse i love you em português. Agora não tem volta, é de praxe. Vira e mexe tem que falar. Quando tá de saída, por exemplo, dá um beijo e repete a confissão que escuta. Ficaria chato se contasse a verdade. Naquele dia, o primeiro em que pronunciou a frase consagrada, gozou e passou um tempo na cama. Foi no banheiro e ficou puto com a toalha de rosto. Molhado e sujo, o pano branco não secou a cara lavada. Entrou pelado no quarto, cobriu o corpo com o edredom e deu um abraço na menina. Sem muita maldade, sentiu o cheiro do pescoço. Gostou, chegou mais perto e sentiu de novo. A segunda transa começou em seguida. Evoluiu a ponto de o casal dispensar a coberta e levantar pra fazer de outro jeito. Idas e vindas, tapas, suor e nada de acabar. No auge da atividade, reutilizou a expressão.

Praia

Pensou em dedicar o fim de semana ao surfe. Ia alugar uma prancha, entrar na água e colocar em prática os princípios básicos do esporte. Acordou cedo no primeiro dia. Comeu o máximo que pôde e, após uma seqüência natural de fatos desprezíveis, chegou na praia. Ficaria nu caso tirasse a sunga verde que comprou faz tempo. Numa cadeira amarela, de plástico, sentou de frente pro mar. Consumiu o que pediu, pagou e levantou. Motivado pelas conseqüências, passou a investir em bebidas alcoólicas. Principalmente na que tinha açúcar misturado com gelo e limão. Depois disso, por vontade própria, deixou os objetos pessoais na areia e invadiu o oceano de mãos vazias.

Fita

Sentiu o drama quando escutou a criança que foi um dia. Tava na sala fazendo graça, junto com a mãe e o irmão. Durante o momento especial, registrado em áudio numa fita velha, diziam o que queriam num microfone ligado. Ficou claro que o adulto regrediu. Tornou-se um homem relativamente correto, saudável e simpático, mas não virou nem jogador nem cantor. É inseguro, mente, faz fofoca e trai. Gostou tanto da lembrança que voltaria pessoalmente ao início da brincadeira. Assistiria ao show todo e, sorrindo, bateria palma pros três.

Barriga

Duas amigas, uma alta e uma baixa, vivem juntas. Tomam cerveja, cachaça, misturam tudo e, quando se empolgam, usam drogas proibidas. São pessoas normais. Conversam com quase todo mundo, escolhem o que querem comer e comem. Trocam espontaneamente as idéias que têm. A mais magrinha, de olhos puxados e sorriso bonito, gosta da outra, que tem perna grossa e exagera na maquiagem. A recíproca é verdadeira. Ambas são heterossexuais e procuram um homem gentil, bonito, inteligente e bom de cama. Alice, menos curiosa que a companheira de quarto, simpatiza com a idéia de se matar. Já ficou tão pra baixo que um dia aproximou uma faca da própria barriga. Não empurrou pra dentro porque seria demais.

Televisão

Cansado do futebol e com preguiça de tomar banho, fez o que condenaria depois. Tava deitado num sofá estreito com a cabeça apoiada no braço. A televisão, de um modelo antigo que não tem controle remoto, emitia sons e imagens. Viu o programa inteiro. Em seguida começou um filme repetido e Juliano, ao invés de levantar, encarar o chuveiro e dormir na cama, optou por cochilar nos intervalos pra adiar o processo. A programação da noite prosseguiu apesar do desinteresse explícito. Passou um especial sobre hábitos alimentares, outro filme de comédia, uma seqüência de desenhos animados e duas horas de tela colorida com barulho ininterrupto. Acordou torto e fedido.

Embalagem

Por determinação do fabricante, 14 unidades de matéria comestível com formato, textura e gosto similares viviam dentro de um pacote fechado. Tinham bons momentos, mas, no geral, achavam ruim ficar ali o tempo todo. Sairiam do aperto caso a falta de pernas e braços não impedisse a execução dos planos que faziam à toa. Um deles era assim: o último da fila empurraria o penúltimo, que empurraria o antepenúltimo e, na base da força bruta, iriam pra frente até que a extremidade oposta cedesse à pressão. Na prática, nada feito. De repente a embalagem foi rasgada e todos passaram pro lado de fora. Um de cada vez, na ordem em que estavam.

Dinheiro

Apreciador de artes e esportes, gostaria de ganhar dinheiro com isso. Seria simples: escolheria um filme pra ver e, depois que acabasse, receberia a quantia pré-estipulada. O mesmo valeria para jogos de basquete, leitura de livros e audição de músicas. Como não diria pra ninguém o que achou de nada, a sociedade ficaria sem retorno. Viveria da recompensa financeira pelo cumprimento de atividades que geram benefícios estritamente pessoais. Entre idéias e sensações, permaneceria improdutivo e despreocupado.

Astral

De alto astral após um longo período de abatimento, Sônia não programou a reação que teria quando Karina chegasse. Ficou tranqüila. Segura de si na medida do possível, conversou sobre os assuntos que apareceram e deu as próprias opiniões. Antes pensava muito no que deveria falar, mas, na hora da verdade, fazia comentários inúteis pra garantir a manutenção das aparências. Vivia engasgada. Sem medo de encarar argumentos sólidos, ouviu as frases, entendeu cada recado e se expressou como gostaria: com sinceridade, clareza de raciocínio e boa dicção. Apesar da preferência pelo não envolvimento em conflitos, estaria bem disposta caso fosse necessário trocar ofensas diretas ou agressões físicas. Não tem dúvidas de que a adoção da conduta gerou o significativo aumento da produção de inimizades registrado dali em diante.

Seca

Tava tão na seca que resolveu se fantasiar de vagina no carnaval. Pegou um pano cor da pele, fez um corte no meio e colou os adereços necessários para que o objetivo fosse alcançado. Se vestiu rapidamente e, empolgada com a concretização da idéia, deu uma olhada no espelho. A roupa caiu muito mal na mulher de meia idade e corpo nota zero. O rosto também tem problemas. É cheio de detalhes que afastam os olhares de quem é adepto da noção convencional de beleza. Janaína nem liga mais. Já passou dessa fase e agora tá focada em aproveitar o momento propício. Sabe que, sendo simpática e atrevida, vai fazer sexo com muitos homens sem critério.

Partido

De bobeira, abriu o livro no meio e começou a contar. Página 43: 700 vogais e 590 consoantes. 44: 732 vogais e 650 consoantes. Quase parou, mas, motivado pelo resultado inesperado, continuou. Empate na 45 e vantagem das consoantes na 46: 800 a 700. A página 47, também vencida pelas consoantes, deixou tudo igual: dois a dois. Alexandre ficou tão empolgado que decidiu tomar partido. Escolheu as vogais e, nervoso, foi buscar um copo d’água na cozinha. Voltou depressa pro quarto e passou a mão na página decisiva pra ver se dava sorte. As adversárias, favoritas na opinião realista do torcedor, fizeram um bom primeiro parágrafo e largaram na frente. Alexandre suou frio. Com batimento cardíaco acelerado pela emoção intensa, se benzeu antes de dar prosseguimento à contagem em voz baixa. Fim de papo: vogais 699, consoantes 657, de virada. Sentiu falta de alguém pra sacanear.

Cordas

Henrique, um dos raros galos com discernimento, escolheu o próprio nome. É tão esperto que agora tá empenhado em fazer as cordas vocais emitirem sons articulados. Do jeito que são, não pode dizer o que pensa. Só escuta e vê. Na ânsia de falar qualquer coisa pra qualquer um, estuda o tema com afinco. Quase perdeu as esperanças ao ler numa revista que, independentemente do potencial cognitivo, o papagaio sempre será a única ave capaz de se pronunciar. Chorou de tristeza. No dia seguinte, saudável e disposto, abandonou os livros e partiu pra prática. Primeiro tentou contar de um a dez. Depois, por motivos particulares, arriscou as vogais. O passo a passo é assim: se concentra no caractere da vez, movimenta o bico como deveria e, quando solta a voz, cacareja.

Dor

O pau grande e grosso incomoda tanto que a penetração completa na vagina de Jaqueline é inviável. Tem entrado aos poucos, mas falta muito ainda. O dono do pênis, orgulhoso do órgão e triste pela situação, bota até onde dá e pressiona suavemente em direção ao fundo. Quando passa da conta, tira de dentro e espera. Jaqueline se contorce de olhos fechados. De manhã, no escritório, faz alongamento enquanto as colegas contam experiências próprias e dão dicas sobre como lidar com a dor. Sugerem líquidos e posições estratégicas. Dedicada, vê filmes de sexo entre casais desproporcionais e tenta incorporar as técnicas de encaixe demonstradas ao longo de cada película. Não tem dúvidas de que, com insistência e treinamento adequado, um dia consegue. Bernardo dá força.

Males

Convive com a possibilidade de ser seqüestrado, torturado e assassinado. Tem medo dos três. Principalmente de ser estuprado e lançado ao mar com um pedregulho amarrado no tornozelo. Depois vêm, em ordem aleatória de preferência, morrer queimado, empalado, esfaqueado e ter o pau decepado sem a possibilidade de interrupção do desperdício de sangue. No quesito torturas, a que mais incomoda Guilherme é indiscutivelmente desagradável. Além de potencial vítima da violência entre humanos, está sujeito a sofrer acidentes sérios, contrair doenças graves ou sentir fome a ponto de abandonar involuntariamente a vida que vive. Familiares e amigos, também suscetíveis a todos os males, procriam assim mesmo.

Armário

Fazia tempo que não ficava tão excitado. A encomenda, feita após uma série de comparações, chegou cedo na casa de Clóvis. Rasgou o embrulho, arrancou o plástico e meteu a mão no produto. Deu uma olhada no acabamento e gostou do que viu. Tomado pelo entusiasmo, quis, mas não pôde, continuar em contato com a recente aquisição. Guardou o bem material dentro do armário. Ansioso pelo segundo encontro, não se conteve e contou pros amigos. Alguns deles, diga-se de passagem, seriam pessoalmente apresentados ao artefato num futuro próximo. Só saciou a vontade no início da noite, deitado na cama, sozinho e concentrado. A atividade propiciou o deleite previsto e se tornou freqüente até Clóvis acabar com a vida útil da mercadoria. Comprou um novo na mesma loja.

Conteúdo

Nem aí pro conteúdo, escreve qualquer coisa fácil de ler. Só posiciona as palavras numa seqüência inédita e utiliza vírgulas pra ditar o ritmo. Quando, por descuido, determinada frase fica muito grande, cheia de aposto explicativo, taca um ponto final no meio. Conta a primeira história que vem na cabeça. Cria poucos personagens e abusa de conceitos básicos pra evitar o surgimento de questões passíveis de reflexão. Preocupado em acelerar a leitura, despreza boa parte do vocabulário disponível. Não apresenta idéias novas ou argumentos bem formulados. Produz entretenimento puro. É tão bom nisso que uma pessoa, mesmo destreinada, passa rápido pelas linhas e chega ao fim sem dificuldades. Os que não gostam do estilo preferem algo menos superficial.

Notícia

A Terra ficou sem gente desde que os humanos foram afastados e alocados em ambientes distintos de acordo com o critério adotado no juízo final. Pouca coisa mudou. O sol e a lua aparecem diariamente, chove de vez em quando e os seres vivos se reproduzem. Tem água pra beber e espaço de sobra pros bichos ocuparem de maneira instintiva. Pra não dizer que não houve sofrimento, aves presas em gaiolas morreram de fome e plantas presas em vasos morreram de sede. No mais, cachorros e gatos apegados aos donos passaram um tempo desnorteados até se adaptarem à nova realidade. Caso os habitantes remanescentes demonstrassem interesse no assunto, correria a notícia de que, aos poucos, uma série de fatores pode fazer a espécie extinta ressurgir. Ninguém tá a fim de acelerar o processo.

Imagem

Pela primeira vez sentiu a dor comum de quem vê a própria mulher de mãos dadas com outro cara. A sensação, das piores, demorou a passar. Foi chato porque acreditava na menina, tinha planos pro futuro e jamais imaginou tal imagem sendo capturada pelos olhos que tem desde criança. Decidiu eliminar os pensamentos relacionados à malfeitora. Assistiu ao show concentrado na música, viu o filme com atenção e participou ativamente de conversas. De tanto insistir, conseguiu dar ao fato a importância que teve. Se relaciona com as pessoas, brinca, se envolve e se diverte. Tá mais ciumento.