Pedra

Fica escuro no buraco fundo. Caem sem querer. Desatentos, passam reto pelo aviso rente à cavidade. De dia é melhor. À noite, no breu, tateiam. Procuram uns aos outros e as coisas. No dia que o bombeiro chegou, acharam que seriam salvos. Tem gente misturada a animais e plantas. É longe do comércio. Não tem água, luz nem mobília. Wellington gosta. Descobriu depois. Disposto a escapar, pegou a corda. Lançou pro alto e, agarrado à pedra, subiu. Sentiu falta. Ficaram felizes quando voltou. Elogiaram a aparência, perguntaram sobre as novidades e pediram a corda emprestada. Disse que não era dele.

Futuro

Atrás das grades, pensativa, perdeu a hora. Saíram pro almoço. Comida, céu e sol. Refletia. Poderia ter refugado ou, ao invés de na cabeça, ter mirado no joelho. Quis mesmo matar. Tava com tanta raiva que, pra garantir, descarregou a arma. Foi presa na semana seguinte. Roupa do corpo, cara limpa e pavor. Conheceu Cláudia e Lúcia. Latrocínios. Contou a história e explicou os motivos. Combinaram de, no futuro, irem juntas na justiça. Levariam um projeto de lei. Quando voltaram, perguntou se tinha sido bom. Reponderam que sim. Que teve batata frita, arroz, feijão e peixe. Sentiu raiva pela distração. Sentiu fome. De noite, debilitada, apressou o carcereiro.

Caldo

Os camarões mortos, dentro da empada, receberam elogios. Nadavam no mar calmo de uma praia deserta. Tinham a mesma idade, tamanho e cor. Não eram irmãos. Resultados de diferentes cópulas, nasceram próximos e fizeram amizade. Brincavam de dar caldo quando puxaram a tarrafa. Tinham nomes completos. Os pais de ambos, bem-humorados, escolheram a dedo. Ouviam frases contraditórias. Uma pedia paciência e a outra não. Dizia que era pra ontem, que a vida era curta e que podiam morrer amanhã. Foram juntos pra costa desconhecida. De mãos dadas, atravessaram a corrente. Curtiram e voltaram. Foram pegos de surpresa numa tarde da estação em andamento. Fervidos, descascados e introduzidos na massa. Tinha frango na coxa, carne no pastel e linguiça no pão. Salada de alface.

Helicóptero

Transaram durante o filme. Preliminares no começo, penetrações no meio e deleite nos créditos. Aventura banal. Um herói, sem super poderes, que parecia ter. Violência. Passaram batidos pela explosão. Perderam a morte da filha e a queda do muro. Nessa hora, enroscados, agiam e reagiam. Sussurravam elogios. Quando o mocinho foi torturado, Angélica tava algemada. Também se contorcia. Foi libertada na cena do helicóptero. Trocaram de posição. Charles, quieto e de olhos fechados, não ouviu o tiroteio. Ficaram de pé e deitaram de novo. Sincronizados com a película, terminaram juntos. Não viram nada.

Mentira

Descalço com a vara na mão, parou na beira do rio. Anzol, molinete e isca. Acharam estranho. Frequentadores de longa data, que jamais presenciaram tal atitude, acompanharam pra entender. Não tinha peixe e tinha uma placa pra avisar. Forrou o chão, tirou a bermuda e, de sunga, manteve a camiseta. Jogou a linha na água. Um banhista não aguentou e foi lá. Discorreu sobre a ausência de animais aquáticos. Depois de ouvir, disse que não tinha problema. Que era mentira e que, apesar do que pensavam, pegaria um linguado. Voltou pra barraca, reproduziu o diálogo e sentou na cadeira. Ficou atento. Jorge, tranquilo, sentiu a pressão e puxou. Ciro suou frio.